A ciência nada mais é que o senso comum refinado e disciplinado. (G. Myrdal)
Rubem Alves (1933-2014, Boa Esperança - Minas Gerais) foi teólogo, educador, tradutor e escritor brasileiro. Autor de livros de filosofia, teologia, psicologia e de histórias infantis. Dentre suas obras, destaca-se: “O Que é Religião?" (filosofia e religião), “A Volta do Pássaro Encantado”, “O Patinho que não Aprendeu a Voar” (livro infantil), “Variações Sobre a Vida e a Morte” (teologia) e “Filosofia da Ciência” (filosofia e conhecimento científico).
A obra Filosofia da Ciência – Introdução ao jogo e suas regras – é um alerta para a necessidade de se desmistificar o cientista, considerado superior, por si, pela classe e pela grande maioria das pessoas comuns, dado ao seu trabalho em busca da verdade, do conhecimento e do desenvolvimento da ciência.
Capítulo I – O senso comum e a ciência
O autor inicia o capítulo interrogando o leitor acerca da figura do cientista, a visão que se tem dele e a imagem criada pelo imaginário popular, principalmente da mídia. “O que é que as pessoas comuns pensam quando as palavras ciência ou cientista são mencionadas?”
• “o gênio louco, que inventa coisas fantásticas;
• o tipo excêntrico, ex-cêntrico, fora do centro, manso, distraído;
• o indivíduo que pensa o tempo todo sobre fórmulas incompreensíveis ao comum dos mortais;
• alguém que fala com autoridade, que sabe sobre que está falando, a quem os outros devem ouvir e ... obedecer.”
De tal forma o cientista é apresentado como uma figura mitológica em que o autor levanta questionamento quanto a quem é encarregada a missão de pensar: “[...] os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam.” Inconscientemente existe um certo conforto ou conveniência por termos quem pense os casos complexos para nós, isso pode acarretar em um atrofiamento do pensamento. As pessoas do senso comum recuam frente a situações que exigem um maior esforço no raciocínio. Porém, o autor alerta que aqueles que são especialistas em um área específica não necessariamente são mais capacitados na arte do pensar. É aí que ele exemplifica a afirmativa com o caso do pianista e as várias técnicas exigidas para que se execute uma boa obra. Contudo,esse pianista resolve especializar-se apenas na técnica dos trinado (articulação rápida e alternada de duas notas seguidas), neste sentido ele será um especialista, porém, não executará uma obra por inteiro tão bem como executa os trinados.
Rubem Alves utiliza-se das comparações do cientista e do pianista para expor o perigo de focar cada vez mais em uma única área e relativizar as demais, “[...] cada músico é surdo para o que os outros estão tocando. Físicos não entendem os sociólogos, que não sabem traduzir as afirmações dos biólogos, que por sua vez não compreendem a linguagem da economia, e assim por diante.”
Compara também o processo de especialização com o mundo dos sentidos dos animais, o perigo de especializar-se na visão e não compreender o mundo dos sons. Todos esses exemplos são fornecidos pelo autor para que compreendamos que a ciência é uma espécie de refinamento do que é comum e rotineiro e que não carece de estudos aprofundados. Também percebermos que, quanto maior o nosso foco sobre qualquer coisa que seja, menor será nossa percepção ou visão geral e globalizada: “A tendência da especialização é conhecer cada vez mais de cada vez menos.” É a partir do senso comum, de sua observação, que se desenvolve a ciência. Do momento em que surge um questionamento ou uma necessidade.
O senso comum, como conceito e definição, não advém das pessoas que são encaixadas nessa classificação, segundo o autor, mas sim do meio científico,“[...] senso comum é aquilo que não é ciência [...]”. Se faz presente no modo de pensar, agir e interagir do indivíduocom o mundo e com as outras pessoas. É apresentado neste capítulo uma série de exemplos (problemas) de como funciona o senso comum nas situações mais simples e inusitadas do cotidiano de uma pessoa
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Um automóvel que para repentinamente de funcionar, o que fazer?
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A conta de água que chega com o dobro do valor normal. Qual o procedimento?
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Por que o número da sua identidade é 6.872.451 e não 5.000.000?
Essas e outras questões que nos ajudam a compreender a ciência através do senso comum, por meio de explicações racionais, estudadas e experimentadas. Diferente de explicações míticas, mágicas e/ou religiosas. Sobre isso, diz o autor: “A crença na magia, como a crença no milagre, nasce da visão de um universo no qual os desejos e asemoções podem alterar os fatos. A ciência diz que isto não é verdade. O senso
comum continua, teimosamente, a crer no poder do desejo.”
Em tudo isso, ressalta o autor no texto, é importante que a ciência esteja a serviço das pessoas, sempre com a capacidade de inventar soluções úteis e benéficas à sociedade. Isso permite ao homem ser dotado de uma enorme capacidade de sobrevivência, extremamente diferente dos animais.
“O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver.”