Edney Menezes Nogueira |
Introdução
No Antigo Testamento
Deus vem chamado Santo, Santo, Santo, três vezes Santo (Cf. Is. 6,3). Ele
próprio se declara Santo (Cf. Lv. 19,2). E isto implica a transcendência total
de Deus em relação ao mundo. Deus é
Santo pois é o separado, o absoluto. A santidade de Deus é a sua Gloria
escondida e, por sua vez, a sua Gloria é a sua santidade manifestada.
Dentro
deste contexto vetero testamentário, afirmar que uma realidade é santa é
coloca-la em ralação direta com Deus. Sendo assim, santo era aquele ou aquilo
que vinha separado para Deus. De fato a palavra santo vem da raiz do verbo
separar. Assim o povo, o sacerdote, etc,
eram considerados santos porque pertenciam, ou melhor, estavam em relação com
Deus. De tal forma, podemos dizer que era uma santidade relacional.
Na nova Aliança, em
virtude de Jesus Cristo, o conceito de santidade dá um salto qualitativo. Aqui
a santidade não é apenas relacional, mas sobretudo, ontológica. Isto é, santo é
aquele que participa da vida divina, a saber, que vem feito filho de Deus. A Igreja é considerada santa (Cf. 1Pd. 2,9).
Também Paulo considera cada batizado como santo (Cf. Rm. 1, 7).
Santo
é aquele que recebeu o batismo tornando-se filho de Deus, membro do corpo
místico de Cristo, a Igreja.
Contudo,
assim como na antiga aliança o povo separado, e portanto considerado santo,
vinha convidado a agir moralmente de forma diferente dos outros povos, também
aqui, na nova aliança o que vem constituído santo é convidado a viver como tal.
Ou seja, a santidade ontológica deve se traduzir em santidade de vida, a saber,
em santidade moral.
«
Sede santos pois eu sou Santo », disse o Senhor ao seu povo (Cf. Lv. 9, 2).
Cristo também exorta aos seus discípulos, que são aqui chamados filhos de Deus,
a serem perfeitos como perfeito é o Pai celeste (Cf. Mt. 5, 48).
A
santidade se torna assim uma vocação universal. É a vocação comum de todos os
cristãos. A Igreja não se cansa de recordar aos seus filhos o seu estado de
santidade e de os admoestar a viver segundo a graça que os foi dada. Como
afirmará o Papa: « A Igreja deve constantemente recordar a todos a vocação a
santidade ».[1]
E dentro desta realidade, o Papa João Paulo II
ao longo de seu pontificado fez voz a esta verdade. Ele por diversas vezes
buscou despertar no cristão a consciência de seu estado de filho de Deus, e
portanto, santo. Como pastor, buscou apontar caminhos e exemplos de santidade
elevando as honras dos altares centenas de pessoas que responderam com
generosidade ao chamado a santidade. Ele próprio é de se considerar um grande e
eloqüente exemplo de santidade.
Contudo,
mais que nos apresentar exemplos de santidade, o Papa constantemente chamou à
atenção para a necessidade de se viver com seriedade o nosso batismo cristão.
Ele procurou ascender a chama da fé de sua Igreja em um mundo gravemente
marcado pela incredulidade. E para isso não cessou de convidar os fieis a
viverem a sua fé, primeira e decisiva resposta do homem a Deus. Uma fé que
permeia toda a existência do homem, e se traduz no quotidiano de sua vida. Uma
fé que levaria por conseqüência a uma vida eclesial responsável.
A
santidade é e deve ser uma prerrogativa de todo cristão, afirmará o Papa. É a
nossa identidade. Uma santidade que nasce no batismo, onde por conseqüência nos
tornamos filhos de Deus e membro do corpo místico de Cristo, que é a sua
Igreja. Uma santidade por assim dizer, ontológica. Contudo, uma santidade que
se traduz em atos, por assim dizer, moral. O cristão é santo porque é filho de
Deus e como tal se manifesta no mundo, como criatura nova que vive e testemunha
a Cristo.
Testemunhar
a Cristo, eis o constante apelo do Papa. O santo é a testemunha fiel do
crucificado e anunciador da mensagem do ressuscitado. E todos sem exceção, são
chamados a viver esta santidade, pois se trata de uma vocação universal. “A
santidade não é algo reservado a algumas almas escolhidas: todos, sem exceção,
estamos chamados a santidade”.[2] Eis a mensagem do Papa.
A Santidade Ontológica.
A
santidade, como vimos, no mundo cristão é acima de tudo um dom de Deus, que
toca o próprio ser do homem transformando-o em nova criatura; em um novo ser,
em uma nova realidade ontológica.
O
Cristão é santo, em primeiro lugar, não por aquilo que faz, mas por aquilo que
ele é, a saber, filho de Deus e membro do corpo místico de Cristo. «Este
dom de santidade, por assim dizer, objetiva, é oferecido a cada batizado»[3].
«È o
Espírito Santo que constitui os batizados em filhos de Deus e ao mesmo tempo
membros do corpo místico de Cristo»[4].
No Antigo Testamento
encontramos a promessa divina de fazer de seu povo uma nação sacerdotal e
santa: «... sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa» (Ex.19,6). E essa promessa se cumpriu em cristo: «... Ele nos abençoou com toda benção espiritual, nos céus em Cristo
(...) para sermos santos e irrepreensíveis (...) Ele nos predestinou a sermos
para Ele filhos adotivos...» (Ef. 1,3b.4b-5a).
Portanto, «com o santo batismo nos tornamos filhos de Deus
no seu unigênito filho, Jesus Cristo»[5], e ao
mesmo tempo, membro do corpo de Cristo, que é a Igreja.
O batismo nos faz filhos de Deus.
No batismo, pela ação do Espírito Santo, nos tornamos filhos no Filho. E
é esse Espírito que nos faz chamar a Deus de Pai (Cf. Rm. 8,15-17). É nas águas batismais que morremos com Cristo para com Ele ressuscitar
para uma nova vida, a saber, a vida dos filhos de Deus. O batizado vem
constituído em seu estado ontológico em uma nova realidade, a realidade daquele que nasceu
do alto, a saber, da água e do Espírito (Cf. Jo. 3,5).
Este homem
novo, que foi gerado nas águas do batismo, ingressa na vida divina por meio de
Cristo e passa a participar da santidade de Deus. É uma santidade que é dom,
dom de Deus que por amor nos adotou como filhos, e filhos de fato, como dirá o
escritor sacro: «Vede que
grande amor o Pai nos deu, que sejamos chamados filhos de Deus: e nós o somos» (1 Jo. 3, 1 a.).
Portanto o
Papa afirma: «Perguntar
a um catecúmeno: queres receber o Batismo? Significa ao mesmo tempo perguntar:
queres fazer-te santo?» [6].
É de fato, oferecer ao catecúmeno a oportunidade da filiação divina.
De forma
muito clara a S.Santidade fala desta realidade:
“A santidade dos
servos de Deus é precisamente um fruto particular da graça batismal (...). no
batismo, (...), o discípulo de Cristo recebe a santidade ontológica, e é
constituído na condição de nova criatura por meio da graça santificante”[7].
É nas
águas do batismo que a Igreja, fecundada pelo Espírito Santo, faz gerar novos
filhos para Deus. Assim, aquele que passa pelas águas do batismo é santo porque
vem constituído filho de Deus. «Os
seguidores de Cristo, (...) no batismo da fé foram feitos, verdadeiramente
filhos de Deus e participantes da natureza divina e portanto realmente santos» [8].
O Sacramento do batismo nos faz membros de
uma única família, a família de Deus, comunidade dos santos. São Paolo tinha
essa clara consciência de que, os membros da Igreja formam a comunidade dos
santos e expressa essa consciência em suas cartas (Cf. 1Cor. 1,2; Rm. 1,7; Ef. 1,1; etc.).
É no batismo
que Cristo pela ação do Espírito Santo toca a nossa humanidade recriando-a e
devolvendo-a a dignidade da filiação divina que o homem havia perdido com o
pecado original. De tal forma, Ele nos dá seu Espírito, fonte de graça, que nos
conduzirá a perfeição, ou seja, nos levará a vivermos como nova criatura, como
santos, como filhos de Deus.
A participação na Igreja como Corpo místico de Cristo.
A Igreja como corpo místico de Cristo é
uma das mais belas imagens usada por São Paulo para falar da relação entre
Cristo e a Igreja.
«somos um
Só corpo em Cristo...» (Rm. 12,5), afirmará S.Paulo. «Comunicando de fato o seu
Espírito, (Cristo) faz com que seus irmãos ... constituam o seu corpo místico”[9].
De tal forma, os cristãos reunidos em assembléia, unidos pelo mesmo batismo que
os constituem filhos de Deus, formam a Igreja, corpo místico de Cristo, onde
este é a cabeça, como dirá S.Paulo: “Ele é a cabeça do corpo que é a Igreja»
(Col. 1,18a ). Cristo é a cabeça da Igreja pois a governa com seu Espírito e na
pessoa de seus ministros; e a Igreja é o seu corpo pois é através desta que Ele
age e se manifesta ao mundo com seu poder salvador.
É por meio do batismo que somos configurados a Cristo, Filho de
Deus, onde recebemos o seu Espírito. É em Cristo que somo batizados para
formarmos um só corpo, onde Ele é a cabeça: «de
fato, todos nós fomos batizados em um único Espírito para constituirmos um só
corpo» (1Cor. 2,13; Cf. Ef. 1,22-23).
Cristo
comunicando o Seu Espírito a Igreja no dia de pentecostes fez com que esta se
manifestasse ao mundo como comunidade dos crentes. Através deste Espírito, Ele
dispensa continuamente os seus dons, fazendo assim com que todos os membros
desta Igreja cresça e se desenvolva na caridade até configurarem-se a Ele de
forma plena. Esse crescimento diz respeito aos membros em particular e também,
sobretudo, a Igreja como um todo, a saber, como um único corpo.
De tal forma podemos afirmar que, a Igreja
é Santa porque possui o Espírito de Cristo. Este Cristo cabeça não se separa da
Igreja, seu corpo, comunicando assim, continuamente o seu Espírito
Santificador. Como afirma a Lúmen Gentium:
“De fato Cristo,
Filho de Deus, O qual com o Pai e o Espírito é proclamado o “Santo” amou a
Igreja como sua esposa e se entregou a essa a fim de santifica-la (Cf. Ef.
5,25-26), e a uniu a Si como seu corpo, e a cumulou com o dom do Espírito
Santo, para a gloria de Deus”[10].
No entanto a Igreja outra coisa não é que a comunidade dos eleitos,
dos filhos de Deus: assembléia reunida em Cristo através seu Espírito para a
gloria de Deus. Afirmar a santidade da Igreja é ao mesmo tempo afirmar a
santidade de seus membros.«... esta santidade da Igreja constantemente se manifesta e se deve
manifestar nos frutos da graça que o Espírito produz nos fieis; se exprime em varias
formas nos seus singulos membros...»[11]
Assim cada batizado, membro da Igreja, é
santo pois participa da comunidade dos santos, formando o corpo místico de
Cristo. Essa santidade é ontológica e a pessoa a recebe quando batizado
ingressa na Igreja, participando assim da santidade desta Igreja.« O chamado dos leigos ( a santidade) comporta a
sua participação na vida da Igreja e uma conseqüente intima comunhão a própria
vida de Cristo»[12]. Afirmará
o Papa em uma de suas catequeses. E ainda: «O grau de santidade pessoal não depende da posição ocupada na Igreja,
mas unicamente do grau de caridade vivida»[13]. Sendo
assim, o Papa reafirma a necessidade de estar unido a Cristo participando da
vida da Igreja, seu corpo, e desenvolvendo esta santidade com um empenho
constante:
«Os leigos participam da santidade da Igreja, sendo membros a pleno
titulo da comunidade cristã: e esta participarão, que podemos dizer ontológica,
à santidade da Igreja, si traduz também para os leigos em um empenho ético
pessoal de santificação»[14].
Também o Papa reafirma em seus
ensinamentos que, a santidade de cada membro da Igreja independe de ocupar ou
não um posto privilegiado dentro da comunidade cristã, como também independe de
exercer este ou aquele ministério. «A Igreja é
santa e todos os seus membros são chamados à santidade»[15]. Na
vivencia da santidade todos os membros se iguala no mesmo chamado, pois um só é
o dom, como um só é o Espírito que santifica, como uma só é a fé e um só é o
batismo (Cf. Ef. 4,5). Sendo assim, «Comum é a
dignidade dos membros por sua regeneração em Cristo; comum a graça dos filhos,
comum a vocação à perfeição»[16].
A Santidade Moral.
Como vimos no capitulo anterior, a
santidade antes de tudo é dom de Deus, é ação de Deus na vida do homem. É o
chamado de Deus ao homem para que este participe de Sua vida divina. Essa
participação implica uma mudança no homem, a saber, uma mudança ontológica,
onde o homem vem constituído filho de Deus e portanto participante de sua vida
.
Porém, este novo ser que vem constituído
no batismo é chamado a corresponder ao seu novo estado de vida, a saber, de
santo, de filho de Deus. A santidade é de fato um chamado e, portanto, exige
uma resposta. Como sabemos, o agir segue ao ser. Se o homem vem constituído
santo, deste requer um comportamento digno de seu estado de santo.
De fato, não pode haver uma ruptura entre
o ser e o agir. Não posso ser considerado filho de Deus e agir como se Deus não
existisse. Desta forma haveria uma grande distancia entre o ser e a ação, o que
comportaria uma contradição.
Sendo assim o Papa João Paulo II nos
ensina: «A santidade é um dom divino e é ao mesmo tempo um empenho de
correspondência».[17]
A
resposta do homem é a fé. E esta fé não significa um sentimentalismo, mas é uma
fé que se traduz em obras, a final, a fé sem obras é morta, já nos dizia o
escritor sagrado (Cf. Tg. 2,26). Ou seja, é uma fé viva e dinâmica que permeia
toda a existência do homem e dirigindo suas ações. A fé é a luz de nossas
ações. Dizer que acredita em Deus e afirmar que é seu filho, comporta uma
conseqüência no agir.
A fé como resposta comporta uma
conseqüência muito lógica, a saber, um ingresso na vida eclesial que significa
uma tomada de consciência de seu novo estado e, portanto, assumir o compromisso
de cristão que se expressa em uma vida ativa e sacramental.
Como vimos no capitulo antecedente, o
cristão é santo porque participa da vida da Igreja e essa participação é
ontológica. Porém, esta participação ontológica se expressa em uma participação
sacramental e missionária. Sacramental porque unida a cristo pelos sacramentos
e missionária porque todo cristão é também um evangelizador, enquanto
testemunha de Jesus Cristo.
A Fé como resposta do homem.
A
fé é a resposta do homem a Deus que o chama a uma vida de santidade. É uma
forte e firme adesão a Cristo como nos ensina o Papa João Paulo II : «a santidade cristã tem sua raiz na
adesão a Cristo por meio da fé e do batismo».[18]
Esta fé longe de ser um
simples e inocuo sentimentalismo, se traduz no quotidiano da vida de cada
batizado como uma expressão de adesão a Cristo e sua mensagem. É, de fato, um constante empenhar-se em
corresponder de forma positiva as expectativas de Deus a nosso respeito.
A essa realidade se
expressará muito bem o nosso Santo Padre em questão: «A santidade
ontológica se transforma assim em santidade moral, graças ao empenho de
traduzir constantemente em ação os sentimentos próprios de uma vida em Cristo
Jesus».[19]
Traduzir em ações os sentimentos de Jesus
é na verdade viver como Ele viveu e nos ensinou a viver. «Sede
perfeitos como perfeito é o Vosso Pai que estás nos céus» ( Mt.
5,48). Este é o convite de Jesus, a saber, a perfeição. E a perfeição é própria
dos filhos de Deus. É justo que os filhos se assemelhem a seu pai, a nossa semelhança a Deus diz respeito, também,
ao nosso comportamento moral. É a fé que guiará nosso comportamento moral na
sociedade nos fazendo assim testemunhas da verdade e, portanto, santos. «Sede
santos porque eu o Senhor Vosso Deus Sou Santo» ( Lv. 19,2),
esta é a advertência de Deus ao seu povo. Se fazer povo de Deus e ainda, se
fazer seus filhos comporta uma mudança de atitudes. Deve haver, como nos diz o
Papa João Paulo II: «coerência
entre aquilo que cremos e quilo que fazemos».[20]
E essa coerência entre vida e fé constitui a verdadeira santidade. Estar unido
a Cristo significa dizer, ser santo, e tal união se manifesta em nossas ações,
para que, brilhando nossa luz no mundo, o mundo se converta e glorifique ao
nosso Pai que estás nos céus ( Cf. Mt. 5,16).
A fé ilumina e dá sentido a nossas ações.
O santo vive da fé que dá significado a sua existência, pois se concretiza em
uma forma toda particular na expressão de vida do santo. Esta é a certeza clara
e distinta da verdade sobre o homem e sua existência. É a fé que move e
impulsiona o santo a corresponder a vontade de Deus, mesmo que para isso seja
desprezível aos olhos do mundo. Esta fé nos faz fiel mesmo quando contradizemos
ao mundo e, é de continuo que se choca o nosso comportamento guiado pela fé e o
comportamento que nos propõe o mundo.
Numa sociedade secularizada e
profundamente mergulhada no materialismo utilitarista, a fé vem constantemente
ridicularizada e negada. O santo, porém, brilha no horizonte da humanidade como
homem de fé. E não é fácil viver como homem do espírito numa sociedade
materialista como a nossa. O Papa João Paulo II é consciente desta realidade e
reconhece que «não é fácil ser autenticamente cristão no contexto da sociedade
moderna marcada por formas nascentes de paganismo».[21]
E diante desta dificuldade o santo
refulge como homem de contradição. É de fato aceitar em ser muitas vezes jogado
as margens da sociedade. No entanto as palavras do Papa ressoa como motivações
e conforto: «Não tenhas medo de andar contra a corrente».[22]
E ainda : «Devemos nos decidir conscientemente de querermos ser cristãos
professantes, e a haver a coragem de sermos distintos, se necessário, do nosso
ambiente».[23]
Sendo assim, a fé é a verdadeira
identidade do santo, ou seja, do cristão que assume sua identidade e vive na
sociedade como testemunha de cristo.
Contudo, é bom notar que, o homem moderno
que vive imerso no materialismo e no utilitarismo, também e, sobretudo no
âmbito da moral, sente como que saudade de Deus. Existe uma carência no homem
que a matéria e os prazeres do mundo não sacia jamais. É uma espécie de
necessidade de Deus, necessidade do infinito. É no fundo, uma abertura do homem
a Deus. E quanto a isso se expressará muito bem Santo Agostinho: «dado que nos
criastes para Ti, o nosso coração não repousará em paz enquanto não descansar
em Ti».[24]
E o santo como homem de fé é o sinal, a seta a indicar a direção. Ele é modelo
e testemunha de uma vida em Cristo.
Vejamos que aqui estamos sempre nos
referindo a santos como sendo os batizados e não somente e exclusivamente os
que receberam as honras dos altares. A fé compete a todos os batizados e estes
devem viver como tais.
Mas não é somente o ateísmo e suas
diversas manifestações que são os únicos e exclusivos inimigos da fé. O pior
inimigo da fé, como dirá o Papa é a ignorância.[25]
De fato, a fé cristã necessita de formar-si cada vez mais. E sobretudo, a fé
necessita de paradigmas. O paradigma por excelência é o próprio Jesus Cristo.
Depois, os santos e aqui nos referimos a todos os batizados, também são e devem
ser paradigmas da fé.
Salientamos, portanto que, o ambiente
propício a viver e desenvolver a fé é a Igreja. De fato assim o Papa nos
ensina: «A fé vive da tradição da Igreja. Só nessa poderemos encontrar com
segurança a verdade de Jesus Cristo. Somente um ramo vivo da arvore da
comunidade eclesial suga forças de sua raiz».[26]
Uma pessoa
que não é consciente de sua própria fé, que não a vive no ambiente eclesial e
não a desenvolve com o exercício quotidiano e com o conhecimento, se encontra
em balia dos diversos ensinamentos e das mais variadas correntes do mundo
contemporâneo. De tal forma, a vida eclesial, ou seja, a vida paroquial e a
assiduidade aos sacramentos é indispensável para a fé.
Vida sacramental e engajamento na comunidade eclesial
Como vimos em
anterior reflexão, a comunidade eclesial é o espaço propício para o
desenvolvimento da fé. E ao mesmo tempo, é neste espaço que esta fé se
manifesta se enriquece e se defende. A Igreja se torna assim a comunidade dos
crentes, sendo esta indispensável para aquele que crê. Não se pode viver uma fé
isolada da comunidade eclesial. Como nos ensina o Papa João Paulo II:
«O fiel leigo não pode nunca
fechar-se em si mesmo, isolando-se espiritualmente da comunidade, mas deve viver
em uma troca com os outros, com um vivo senso de fraternidade, na alegria de
uma igual dignidade e no empenho de fazer frutificar juntos o imenso tesouro
recebido em herança»[27].
Esse tesouro outro não é que a verdade da
fé. A verdade que permeia a nossa vida dando sentido a nossa existência, em
outras palavras, nos fazendo santos. O leigo, como já vimos, é chamado a viver
a santidade. E essa vocação a santidade, nos dirá o Papa João Paulo II:
«possui sua raiz no batismo e vem riproposta pelos outros sacramentos,
principalmente pela Eucaristia: revestidos de Cristo e embriagados do seu
Espírito, os cristãos são santos e são, por isso, habilitados e empenhados a
manifestar-se a santidade do seu ser na santidade de todo o seu agir»[28].
De tal forma, se torna essencial para o
leigo sua ativa participação na comunidade eclesial se alimentando de sua vida
litúrgica e sacramental. De fato, os leigos compõem o corpo místico de Cristo
que é um corpo vivo e que vivifica com a mesma vida os leigos, a saber, seus membros.
A participação ativa dos leigos diz respeito à vida sacramental e também
missionária, pois estes são chamados a dar testemunho de Cristo .
É na assiduidade aos sacramentos que o
leigo encontra aquela força necessária para viver e testemunhar a sua fé. Os
sacramentos nos unem de forma intima a Cristo, dando-nos a plenitude de graças
que nos faz capazes de uma vida santa. Como nos ensina o Papa João Paulo II: «a nossa união com cristo na Eucaristia deve se
manifestar na verdade de nossas vidas...»[29]
O
batismo elimina o pecado original, nos restitui a dignidade de filhos de Deus e
nos insere na própria vida da Trindade. A crisma é como um cumprimento do
batismo, nos insere de maneira mais intima na comunidade cristã fazendo-nos
assumir nossa identidade de cristãos, a saber, nossa vocação. A unção dos
enfermos nos restitui a esperança nos momentos de dores e fragilidades físicas.
É a presença de Cristo e sua cruz. Na confissão o pecador se encontra com o
Deus que é Pai misericordioso, sempre disponível a perdoar e curar as graves
feridas que o pecado deixa na alma humana.
A
eucaristia é o centro da vida cristã. É o coração da Igreja. Na eucaristia
encontramos a nossa verdadeira identidade de cristãos, pois participamos do
corpo e do sangue de Jesus Cristo. Este sacramento é a fonte da salvação. A
vida eucarística alimenta a nossa fé e nos impulsiona a uma vida de santidade.
Na mesa da eucaristia toda a Igreja se reúne na unidade da fé, partilhando a
mesma esperança e participando da mesma vida de caridade. Na eucaristia nos
unimos de forma especial a cristo, comungando de seu corpo e do seu sangue. E
esta união a cristo se manifestará, sobretudo, na nossa união com o próximo. Em
cristo formamos um só corpo, participando da mesma mesa eucarística.
Esta
realidade sacramental nos leva a uma outra realidade, a saber, a missionária.
Aqui se refere a dimensão do testemunho. Ser santo é dar testemunho de Cristo
em resposta aos apelos do tempo presente traduzindo em sua vida, ou com sua
morte, o evangelho de salvação, como dirá João Paulo II: «um santo é, na vida e na morte, a
tradução do evangelho para o seu tempo»[30].
Todo
batizado, quando vem crismado, é ao mesmo tempo convidado a assumir seu papel
na comunidade paroquial, a saber, de testemunha do evangelho. Como vimos em
precedência, todo aquele que vem inserido na comunidade eclesial pelo batismo,
automaticamente é inserido no corpo místico de cristo como um membro vivo, que
recebe a própria vida de cristo. De tal forma, este vem agraciado com um dom,
em particular, o qual deve colocar a disposição da própria comunidade. Como conseqüência a grande vocação à
santidade, todos aqueles que responderam com generosidade a este apelo, recebem
uma vocação particular, um dom de serviço dentro da vida paroquial. De fato, o
leigo possui seu espaço dentro da paróquia, que não é aquela do sacerdote, mas
um papel próprio de seu caráter laical, que não é por isso menos digno, no
entanto, é diferente. Assim nos ensina o Santo Padre João Paulo II:
«Os vários ofícios e funções que os
fieis leigos podem legitimamente desenvolver na liturgia, na transmissão da fé
e nas estruturas pastorais da igreja, deverão ser exercitadas em conformidade a
sua especifica vocação laical, diferente daquela dos ministros ordenados».[31]
Assim
sendo, a dimensão comunitária é essencial para o cristão. Daqui nasce a
dimensão do testemunho e da evangelização. Hoje mais do que nunca a Igreja
precisa de testemunho de fé, de cristãos que queiram viver com seriedade seu
batismo. «A Igreja necessita de
santos leigos cristãos»[32] afirmou
João Paulo II.
Dentro da comunidade paroquial todos os
cristãos encontram seu espaço. Cada um realizando seu papel de acordo com sua
vocação especifica e com o dom recebido, “segundo a graça que nos foi
concedida. Quem profetiza, faça-o segundo a fé. Quem serve, faça com
generosidade. Quem ensina, que seja segundo a sã doutrina...”[33]
E
nisto consiste a santidade de todo cristão, a saber, responder com fé e
generosidade ao apelo de Deus, testemunhando o evangelho de Jesus Cristo e
anunciando a salvação que este nos
trouxe. «Existe uma
santidade muito evidente de alguns homens, mas também existe a santidade
desconhecida da vida quotidiana»[34], afirmou o Papa João Paulo II.
O
santo deve brilhar no horizonte da humanidade como homem de Cristo, testemunha
do evangelho construtor da comunhão. O mundo necessita de santos, e esta é uma
das constantes mensagens trazidas pelo Santo Padre João Paulo II:
«O mundo precisa urgente de uma
primavera de santidade, que acompanhe os esforços de uma nova evangelização, e
ofereça ao nosso tempo, desiludido de vãns promessas e tentados pela falta de
coragem, uma indicação de direção e uma renovada confiança.»[35]
Conclusão
Diante de tudo o
quanto vimos até aqui, podemos concluir que, a santidade, antes de tudo, é um
dom de Deus. Este dom se apresenta como uma chamada universal, ou seja, todo
homem é vocacionado a santidade. Esta santidade consiste em participar da
própria vida da Trindade Santíssima. Este dom se concretiza no batismo, onde a
pessoa recebe, por meio de Cristo, a filiação divina[36].
Como toda vocação
requer uma resposta, a vocação a santidade de igual forma exige uma resposta da
parte do homem. Esta resposta em primeiro lugar é a fé, que é uma forte e firme
adesão a Cristo e a seu evangelho. Depois, esta fé traz intrínseca a si uma
necessidade de empenho. Este empenho, outra coisa não é que a própria fé se
concretizando em vida.
Podemos falar,
portanto, de uma santidade ontológica e uma moral. Na verdade não são duas
santidades, mas uma requer a outra. A santidade ontológica é o dom que
recebemos de Deus, e a santidade moral é conseqüência desta, a saber, é o nosso
empenho em corresponder ao chamado divino.
Dentro desta
realidade, cada batizado, e portanto filho de Deus, vem integrado à Igreja, que
é o corpo místico de Cristo[37].
Formando assim a comunidade dos santos. Esta integração é ontológica, mas
também funcional, ou seja, participamos não apenas do corpo místico, mas também
da comunidade missionária. Por isso, é importante que cada batizado descubra
seu papel dentro da Igreja, frutificando assim o seu dom, recebido de Deus. E
aqui se trata sobretudo, da dimensão do testemunho.
Como vimos, dentro
desta prospectiva, o Papa João Paulo II, ao longo de seu pontificado, vem
fazendo eco a esta verdade. Ele, como pastor, não cessa de chamar a consciência
dos cristãos a respeito de seu estado de batizado, e portanto, de filho de
Deus.
Constantemente o Papa
nos convida a dar aquele testemunho, que é próprio de um cristão, que possui o
Espírito de Cristo. Um testemunho que, como vimos, custará muitas vezes nosso
próprio sangue. Em um mundo marcado por um profundo senso de individualismo,
materialismo, hedonismo, e outras formas de ateísmo, o cristão vem convocado a
manifestar-se como sal da terra e luz do mundo, testemunhando a Cristo,
caminho, verdade e vida.
E nisto consiste a
santidade, a saber, viver com coerência o nosso batismo. E sendo assim, todo
batizado vem chamado a santidade. A santidade não é privilégio de alguns, dirá
o Papa, mas é vocação universal, para todos[38].
O leigo, vem portanto, chamado a viver e frutificar aquela vida que recebeu no
batismo, e assim, tornar-se um santo.
Santo não é somente
aqueles que são elevados as honras dos altares, mas é todo aquele que vive com
coerência a sua fé, no quotidiano de sua existência.
O leigo, como podemos
concluir, possui um lugar privilegiado dentro do pensamento do Papa João Paulo
II. Este, constantemente relembra ao leigo seu estado de santidade e, muitos
foram os leigos elevados as honras dos altares por Ele.
Ps. Este artigo, de autoria do teologo e Mestre em Filosofia, Edney Menezes Nogueira. Provavelmente, de 2003, escrito em Roma.
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L.E.Vaticana, Città Del Vaticano,1993
Sant’Agostini.
Confessioni, Fabbri, Milano, 1996
[1] Homilia em la beatificación de cracovia, Polônia, 22 – 6- 1979. In Diccionario
de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II.. Madre de Dios, Madrid,
1998. No.4115
[2] Homilia em Munich,
Alemanha, 3 – 5 – 1987. In Diccionario de
Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II. No.4125.
[3]João Paulo II,Carta
Apostólica Novo Millennio Ineunte ( 06 de janeiro de 2001), 30.
[5] Ibid.
[6]Novo Millennio Ineunte, 28.
[7] Homilia en canonización de
Santos espanõles, 29.3.87. in Diccionario de Teologia y Espiritualidad de
Juan Pablo II.. No.4082.
[8] Concilio Ecumênico
Vaticano II Constituição Dogmática sobre a Igreja Lúmen Gentium, 40.
[9] Lumen Gentium. 7b.
[10] Lumen Gentium. 39
[12]
Udienza generale, 1-12-93. In Giovanni Paolo II il Progetto di Dio. Fabbri Editori, Milano, 1997, p. 49
[13] Ibid.
[14] Ibid.
[16] Lumen
Gentium, 32b.
[17]Udienza
generale, 10 de novembre 1993, in Giovanni Paolo II ,il Progetto di Dio.
p 49
[18] Audiência general, 24 – 11 – 93. In Diccionario de Teologia y
Espiritualidad de Juan Pablo II. No.4082.
[19] Homilia en canonización de Santos espanõles, 29.3.87. In Diccionario
de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II. No.4082.
[20]
Homilia, Dublino, 29 settembre 1981. In Giovanni Paolo II ,il Progetto di
Dio. p.75
[21] Omelia
nella Parrocchia dei Santi Protomartire, Roma, 21 aprile
1985. In Giovanni Paolo II ,il Progetto di Dio. p. 11.
[22]Discorso
presso il Santuário della Madona delle Gracie, Benevento, 2 luglio de 1990.
Ibid. p. 12.
[25] Cf. Omelia,
Viedma- Argentina, 6 aprile 1987. In Giovanni Paolo II ,il Progetto di Dio.
p. 29.
[26] Omelia
dinanzi alla catredale di Munster, 1 maggio 1987. Ibid. p. 30.
[28] Ibid.
16
[29]
Omelia, Dublino, 29 setembre 1979, In Giovanni
Paolo II ,il Progetto di Dio. p. 75.
[30]
Omelia, Duomo S. Stefano, Viena, 12.9.83. In Giovanni Paolo II ai Laici. I laici oggi,
Rivista Del Pontf. Consiglio per i laici, Città del Vaticano, 1987, p. 64
[32] Alla
plenária del Pontf. Consiglio per i laici, 7.6.86, In Giovanni Paolo II ai
Laici. I laici oggi. Rivista Del Pontf. Consiglio per i laici, p. 65
[33] Cf.
Rm. 12, 6ss
[34]
Omelia, Duomo S. Stefano, Viena, 12.9.83. . In Giovanni Paolo II ai Laici.
p. 64
[35]
Angelus, 1.11.1992. In, Non abbiate paura, pensieri dal magistero di
Giovanni Paolo II, L.E.Vaticana,
1993, p. 437
[36] Cf. Chistifideles Laici
, 11