sabato 11 gennaio 2014

O teologo e filosofo Edney Menezes Nogueira discorre sobre a Santidade na perspectiva da teologia catòlica


Edney Menezes Nogueira

Introdução

       No Antigo Testamento Deus vem chamado Santo, Santo, Santo, três vezes Santo (Cf. Is. 6,3). Ele próprio se declara Santo (Cf. Lv. 19,2). E isto implica a transcendência total de Deus em relação ao mundo.  Deus é Santo pois é o separado, o absoluto. A santidade de Deus é a sua Gloria escondida e, por sua vez, a sua Gloria é a sua santidade manifestada.


       Dentro deste contexto vetero testamentário, afirmar que uma realidade é santa é coloca-la em ralação direta com Deus. Sendo assim, santo era aquele ou aquilo que vinha separado para Deus. De fato a palavra santo vem da raiz do verbo separar.  Assim o povo, o sacerdote, etc, eram considerados santos porque pertenciam, ou melhor, estavam em relação com Deus. De tal forma, podemos dizer que era uma santidade relacional.
       Na nova Aliança, em virtude de Jesus Cristo, o conceito de santidade dá um salto qualitativo. Aqui a santidade não é apenas relacional, mas sobretudo, ontológica. Isto é, santo é aquele que participa da vida divina, a saber, que vem feito filho de Deus.  A Igreja é considerada santa (Cf. 1Pd. 2,9). Também Paulo considera cada batizado como santo (Cf. Rm. 1, 7).
       Santo é aquele que recebeu o batismo tornando-se filho de Deus, membro do corpo místico de Cristo, a Igreja.
       Contudo, assim como na antiga aliança o povo separado, e portanto considerado santo, vinha convidado a agir moralmente de forma diferente dos outros povos, também aqui, na nova aliança o que vem constituído santo é convidado a viver como tal. Ou seja, a santidade ontológica deve se traduzir em santidade de vida, a saber, em santidade moral.
       « Sede santos pois eu sou Santo », disse o Senhor ao seu povo (Cf. Lv. 9, 2). Cristo também exorta aos seus discípulos, que são aqui chamados filhos de Deus, a serem perfeitos como perfeito é o Pai celeste (Cf. Mt. 5, 48).
       A santidade se torna assim uma vocação universal. É a vocação comum de todos os cristãos. A Igreja não se cansa de recordar aos seus filhos o seu estado de santidade e de os admoestar a viver segundo a graça que os foi dada. Como afirmará o Papa: « A Igreja deve constantemente recordar a todos a vocação a santidade ».[1]
        E dentro desta realidade, o Papa João Paulo II ao longo de seu pontificado fez voz a esta verdade. Ele por diversas vezes buscou despertar no cristão a consciência de seu estado de filho de Deus, e portanto, santo. Como pastor, buscou apontar caminhos e exemplos de santidade elevando as honras dos altares centenas de pessoas que responderam com generosidade ao chamado a santidade. Ele próprio é de se considerar um grande e eloqüente exemplo de santidade.
       Contudo, mais que nos apresentar exemplos de santidade, o Papa constantemente chamou à atenção para a necessidade de se viver com seriedade o nosso batismo cristão. Ele procurou ascender a chama da fé de sua Igreja em um mundo gravemente marcado pela incredulidade. E para isso não cessou de convidar os fieis a viverem a sua fé, primeira e decisiva resposta do homem a Deus. Uma fé que permeia toda a existência do homem, e se traduz no quotidiano de sua vida. Uma fé que levaria por conseqüência a uma vida eclesial responsável.
       A santidade é e deve ser uma prerrogativa de todo cristão, afirmará o Papa. É a nossa identidade. Uma santidade que nasce no batismo, onde por conseqüência nos tornamos filhos de Deus e membro do corpo místico de Cristo, que é a sua Igreja. Uma santidade por assim dizer, ontológica. Contudo, uma santidade que se traduz em atos, por assim dizer, moral. O cristão é santo porque é filho de Deus e como tal se manifesta no mundo, como criatura nova que vive e testemunha a Cristo.
       Testemunhar a Cristo, eis o constante apelo do Papa. O santo é a testemunha fiel do crucificado e anunciador da mensagem do ressuscitado. E todos sem exceção, são chamados a viver esta santidade, pois se trata de uma vocação universal. “A santidade não é algo reservado a algumas almas escolhidas: todos, sem exceção, estamos chamados a santidade”.[2]  Eis a mensagem do Papa.

A Santidade Ontológica.

       A santidade, como vimos, no mundo cristão é acima de tudo um dom de Deus, que toca o próprio ser do homem transformando-o em nova criatura; em um novo ser, em uma nova realidade ontológica.
       O Cristão é santo, em primeiro lugar, não por aquilo que faz, mas por aquilo que ele é, a saber, filho de Deus e membro do corpo místico de Cristo. «Este dom de santidade, por assim dizer, objetiva, é oferecido a cada batizado»[3]. «È o Espírito Santo que constitui os batizados em filhos de Deus e ao mesmo tempo membros do corpo místico de Cristo»[4].
       No Antigo Testamento encontramos a promessa divina de fazer de seu povo uma nação sacerdotal e santa: «... sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa» (Ex.19,6). E essa promessa se cumpriu em cristo: «... Ele nos abençoou com toda benção espiritual, nos céus em Cristo (...) para sermos santos e irrepreensíveis (...) Ele nos predestinou a sermos para Ele filhos adotivos...» (Ef. 1,3b.4b-5a).
       Portanto, «com o santo batismo nos tornamos filhos de Deus no seu unigênito filho, Jesus Cristo»[5], e ao mesmo tempo, membro do corpo de Cristo, que é a Igreja.

O batismo nos faz filhos de Deus.

No batismo, pela ação do Espírito Santo, nos tornamos filhos no Filho. E é esse Espírito que nos faz chamar a Deus de Pai (Cf. Rm. 8,15-17). É nas águas batismais que morremos com Cristo para com Ele ressuscitar para uma nova vida, a saber, a vida dos filhos de Deus. O batizado vem constituído em seu estado ontológico em uma nova realidade, a realidade daquele que nasceu do alto, a saber, da água e do Espírito (Cf. Jo. 3,5).
Este homem novo, que foi gerado nas águas do batismo, ingressa na vida divina por meio de Cristo e passa a participar da santidade de Deus. É uma santidade que é dom, dom de Deus que por amor nos adotou como filhos, e filhos de fato, como dirá o escritor sacro: «Vede que grande amor o Pai nos deu, que sejamos chamados filhos de Deus: e nós o somos» (1 Jo. 3, 1 a.).
Portanto o Papa afirma: «Perguntar a um catecúmeno: queres receber o Batismo? Significa ao mesmo tempo perguntar: queres fazer-te santo?» [6]. É de fato, oferecer ao catecúmeno a oportunidade da filiação divina.
De forma muito clara a S.Santidade fala desta realidade:
“A santidade dos servos de Deus é precisamente um fruto particular da graça batismal (...). no batismo, (...), o discípulo de Cristo recebe a santidade ontológica, e é constituído na condição de nova criatura por meio da graça santificante”[7].
É nas águas do batismo que a Igreja, fecundada pelo Espírito Santo, faz gerar novos filhos para Deus. Assim, aquele que passa pelas águas do batismo é santo porque vem constituído filho de Deus. «Os seguidores de Cristo, (...) no batismo da fé foram feitos, verdadeiramente filhos de Deus e participantes da natureza divina e portanto realmente santos» [8].
O Sacramento do batismo nos faz membros de uma única família, a família de Deus, comunidade dos santos. São Paolo tinha essa clara consciência de que, os membros da Igreja formam a comunidade dos santos e expressa essa consciência em suas cartas (Cf. 1Cor. 1,2; Rm. 1,7; Ef. 1,1; etc.).
É no batismo que Cristo pela ação do Espírito Santo toca a nossa humanidade recriando-a e devolvendo-a a dignidade da filiação divina que o homem havia perdido com o pecado original. De tal forma, Ele nos dá seu Espírito, fonte de graça, que nos conduzirá a perfeição, ou seja, nos levará a vivermos como nova criatura, como santos, como filhos de Deus.

A participação na Igreja como Corpo místico de Cristo.

A Igreja como corpo místico de Cristo é uma das mais belas imagens usada por São Paulo para falar da relação entre Cristo e a Igreja.
«somos um Só corpo em Cristo...» (Rm. 12,5), afirmará S.Paulo. «Comunicando de fato o seu Espírito, (Cristo) faz com que seus irmãos ... constituam o seu corpo místico”[9]. De tal forma, os cristãos reunidos em assembléia, unidos pelo mesmo batismo que os constituem filhos de Deus, formam a Igreja, corpo místico de Cristo, onde este é a cabeça, como dirá S.Paulo: “Ele é a cabeça do corpo que é a Igreja» (Col. 1,18a ). Cristo é a cabeça da Igreja pois a governa com seu Espírito e na pessoa de seus ministros; e a Igreja é o seu corpo pois é através desta que Ele age e se manifesta ao mundo com seu poder salvador.
É por meio do batismo que somos configurados a Cristo, Filho de Deus, onde recebemos o seu Espírito. É em Cristo que somo batizados para formarmos um só corpo, onde Ele é a cabeça: «de fato, todos nós fomos batizados em um único Espírito para constituirmos um só corpo» (1Cor. 2,13; Cf. Ef. 1,22-23).
Cristo comunicando o Seu Espírito a Igreja no dia de pentecostes fez com que esta se manifestasse ao mundo como comunidade dos crentes. Através deste Espírito, Ele dispensa continuamente os seus dons, fazendo assim com que todos os membros desta Igreja cresça e se desenvolva na caridade até configurarem-se a Ele de forma plena. Esse crescimento diz respeito aos membros em particular e também, sobretudo, a Igreja como um todo, a saber, como um único corpo.
De tal forma podemos afirmar que, a Igreja é Santa porque possui o Espírito de Cristo. Este Cristo cabeça não se separa da Igreja, seu corpo, comunicando assim, continuamente o seu Espírito Santificador. Como afirma a Lúmen Gentium:
“De fato Cristo, Filho de Deus, O qual com o Pai e o Espírito é proclamado o “Santo” amou a Igreja como sua esposa e se entregou a essa a fim de santifica-la (Cf. Ef. 5,25-26), e a uniu a Si como seu corpo, e a cumulou com o dom do Espírito Santo, para a gloria de Deus”[10].
No entanto a Igreja outra coisa não é que a comunidade dos eleitos, dos filhos de Deus: assembléia reunida em Cristo através seu Espírito para a gloria de Deus. Afirmar a santidade da Igreja é ao mesmo tempo afirmar a santidade de seus membros.«... esta santidade da Igreja constantemente se manifesta e se deve manifestar nos frutos da graça que o Espírito produz nos fieis; se exprime em varias formas nos seus singulos  membros...»[11]
       Assim cada batizado, membro da Igreja, é santo pois participa da comunidade dos santos, formando o corpo místico de Cristo. Essa santidade é ontológica e a pessoa a recebe quando batizado ingressa na Igreja, participando assim da santidade desta Igreja.« O chamado dos leigos ( a santidade) comporta a sua participação na vida da Igreja e uma conseqüente intima comunhão a própria vida de Cristo»[12]. Afirmará o Papa em uma de suas catequeses. E ainda: «O grau de santidade pessoal não depende da posição ocupada na Igreja, mas unicamente do grau de caridade vivida»[13]. Sendo assim, o Papa reafirma a necessidade de estar unido a Cristo participando da vida da Igreja, seu corpo, e desenvolvendo esta santidade com um empenho constante:
«Os leigos participam da santidade da Igreja, sendo membros a pleno titulo da comunidade cristã: e esta participarão, que podemos dizer ontológica, à santidade da Igreja, si traduz também para os leigos em um empenho ético pessoal de santificação»[14].
       Também o Papa reafirma em seus ensinamentos que, a santidade de cada membro da Igreja independe de ocupar ou não um posto privilegiado dentro da comunidade cristã, como também independe de exercer este ou aquele ministério. «A Igreja é santa e todos os seus membros são chamados à santidade»[15]. Na vivencia da santidade todos os membros se iguala no mesmo chamado, pois um só é o dom, como um só é o Espírito que santifica, como uma só é a fé e um só é o batismo (Cf. Ef. 4,5). Sendo assim, «Comum é a dignidade dos membros por sua regeneração em Cristo; comum a graça dos filhos, comum a vocação à perfeição»[16].

A Santidade Moral.

       Como vimos no capitulo anterior, a santidade antes de tudo é dom de Deus, é ação de Deus na vida do homem. É o chamado de Deus ao homem para que este participe de Sua vida divina. Essa participação implica uma mudança no homem, a saber, uma mudança ontológica, onde o homem vem constituído filho de Deus e portanto participante de sua vida .
       Porém, este novo ser que vem constituído no batismo é chamado a corresponder ao seu novo estado de vida, a saber, de santo, de filho de Deus. A santidade é de fato um chamado e, portanto, exige uma resposta. Como sabemos, o agir segue ao ser. Se o homem vem constituído santo, deste requer um comportamento digno de seu estado de santo.
       De fato, não pode haver uma ruptura entre o ser e o agir. Não posso ser considerado filho de Deus e agir como se Deus não existisse. Desta forma haveria uma grande distancia entre o ser e a ação, o que comportaria uma contradição.
       Sendo assim o Papa João Paulo II nos ensina: «A santidade é um dom divino e é ao mesmo tempo um empenho de correspondência».[17]
       A resposta do homem é a fé. E esta fé não significa um sentimentalismo, mas é uma fé que se traduz em obras, a final, a fé sem obras é morta, já nos dizia o escritor sagrado (Cf. Tg. 2,26). Ou seja, é uma fé viva e dinâmica que permeia toda a existência do homem e dirigindo suas ações. A fé é a luz de nossas ações. Dizer que acredita em Deus e afirmar que é seu filho, comporta uma conseqüência no agir.
       A fé como resposta comporta uma conseqüência muito lógica, a saber, um ingresso na vida eclesial que significa uma tomada de consciência de seu novo estado e, portanto, assumir o compromisso de cristão que se expressa em uma vida ativa e sacramental.
       Como vimos no capitulo antecedente, o cristão é santo porque participa da vida da Igreja e essa participação é ontológica. Porém, esta participação ontológica se expressa em uma participação sacramental e missionária. Sacramental porque unida a cristo pelos sacramentos e missionária porque todo cristão é também um evangelizador, enquanto testemunha de Jesus Cristo.

A Fé como resposta do homem.

       A fé é a resposta do homem a Deus que o chama a uma vida de santidade. É uma forte e firme adesão a Cristo como nos ensina o Papa João Paulo II : «a santidade cristã tem sua raiz na adesão a Cristo por meio da fé e do batismo».[18]
       Esta fé longe de ser um simples e inocuo sentimentalismo, se traduz no quotidiano da vida de cada batizado como uma expressão de adesão a Cristo e sua mensagem.  É, de fato, um constante empenhar-se em corresponder de forma positiva as expectativas de Deus a nosso respeito.
       A essa realidade se expressará muito bem o nosso Santo Padre em questão: «A santidade ontológica se transforma assim em santidade moral, graças ao empenho de traduzir constantemente em ação os sentimentos próprios de uma vida em Cristo Jesus».[19]
       Traduzir em ações os sentimentos de Jesus é na verdade viver como Ele viveu e nos ensinou a viver. «Sede perfeitos como perfeito é o Vosso Pai que estás nos céus» ( Mt. 5,48). Este é o convite de Jesus, a saber, a perfeição. E a perfeição é própria dos filhos de Deus. É justo que os filhos se assemelhem a seu pai, a  nossa semelhança a Deus diz respeito, também, ao nosso comportamento moral. É a fé que guiará nosso comportamento moral na sociedade nos fazendo assim testemunhas da verdade e, portanto, santos. «Sede santos porque eu o Senhor Vosso Deus Sou Santo» ( Lv. 19,2), esta é a advertência de Deus ao seu povo. Se fazer povo de Deus e ainda, se fazer seus filhos comporta uma mudança de atitudes. Deve haver, como nos diz o Papa João Paulo II:  «coerência entre aquilo que cremos e quilo que fazemos».[20] E essa coerência entre vida e fé constitui a verdadeira santidade. Estar unido a Cristo significa dizer, ser santo, e tal união se manifesta em nossas ações, para que, brilhando nossa luz no mundo, o mundo se converta e glorifique ao nosso Pai que estás nos céus ( Cf. Mt. 5,16).
       A fé ilumina e dá sentido a nossas ações. O santo vive da fé que dá significado a sua existência, pois se concretiza em uma forma toda particular na expressão de vida do santo. Esta é a certeza clara e distinta da verdade sobre o homem e sua existência. É a fé que move e impulsiona o santo a corresponder a vontade de Deus, mesmo que para isso seja desprezível aos olhos do mundo. Esta fé nos faz fiel mesmo quando contradizemos ao mundo e, é de continuo que se choca o nosso comportamento guiado pela fé e o comportamento que nos propõe o mundo.
       Numa sociedade secularizada e profundamente mergulhada no materialismo utilitarista, a fé vem constantemente ridicularizada e negada. O santo, porém, brilha no horizonte da humanidade como homem de fé. E não é fácil viver como homem do espírito numa sociedade materialista como a nossa. O Papa João Paulo II é consciente desta realidade e reconhece que «não é fácil ser autenticamente cristão no contexto da sociedade moderna marcada por formas nascentes de paganismo».[21]
       E diante desta dificuldade o santo refulge como homem de contradição. É de fato aceitar em ser muitas vezes jogado as margens da sociedade. No entanto as palavras do Papa ressoa como motivações e conforto: «Não tenhas medo de andar contra a corrente».[22] E ainda : «Devemos nos decidir conscientemente de querermos ser cristãos professantes, e a haver a coragem de sermos distintos, se necessário, do nosso ambiente».[23]
       Sendo assim, a fé é a verdadeira identidade do santo, ou seja, do cristão que assume sua identidade e vive na sociedade como testemunha de cristo.
       Contudo, é bom notar que, o homem moderno que vive imerso no materialismo e no utilitarismo, também e, sobretudo no âmbito da moral, sente como que saudade de Deus. Existe uma carência no homem que a matéria e os prazeres do mundo não sacia jamais. É uma espécie de necessidade de Deus, necessidade do infinito. É no fundo, uma abertura do homem a Deus. E quanto a isso se expressará muito bem Santo Agostinho: «dado que nos criastes para Ti, o nosso coração não repousará em paz enquanto não descansar em Ti».[24] E o santo como homem de fé é o sinal, a seta a indicar a direção. Ele é modelo e testemunha de uma vida em Cristo.
       Vejamos que aqui estamos sempre nos referindo a santos como sendo os batizados e não somente e exclusivamente os que receberam as honras dos altares. A fé compete a todos os batizados e estes devem viver como tais.
       Mas não é somente o ateísmo e suas diversas manifestações que são os únicos e exclusivos inimigos da fé. O pior inimigo da fé, como dirá o Papa é a ignorância.[25] De fato, a fé cristã necessita de formar-si cada vez mais. E sobretudo, a fé necessita de paradigmas. O paradigma por excelência é o próprio Jesus Cristo. Depois, os santos e aqui nos referimos a todos os batizados, também são e devem ser paradigmas da fé.
       Salientamos, portanto que, o ambiente propício a viver e desenvolver a fé é a Igreja. De fato assim o Papa nos ensina: «A fé vive da tradição da Igreja. Só nessa poderemos encontrar com segurança a verdade de Jesus Cristo. Somente um ramo vivo da arvore da comunidade eclesial suga forças de sua raiz».[26]
Uma pessoa que não é consciente de sua própria fé, que não a vive no ambiente eclesial e não a desenvolve com o exercício quotidiano e com o conhecimento, se encontra em balia dos diversos ensinamentos e das mais variadas correntes do mundo contemporâneo. De tal forma, a vida eclesial, ou seja, a vida paroquial e a assiduidade aos sacramentos é indispensável para a fé.

Vida sacramental e engajamento na comunidade eclesial

Como vimos em anterior reflexão, a comunidade eclesial é o espaço propício para o desenvolvimento da fé. E ao mesmo tempo, é neste espaço que esta fé se manifesta se enriquece e se defende. A Igreja se torna assim a comunidade dos crentes, sendo esta indispensável para aquele que crê. Não se pode viver uma fé isolada da comunidade eclesial. Como nos ensina o Papa João Paulo II:
 «O fiel leigo não pode nunca fechar-se em si mesmo, isolando-se espiritualmente da comunidade, mas deve viver em uma troca com os outros, com um vivo senso de fraternidade, na alegria de uma igual dignidade e no empenho de fazer frutificar juntos o imenso tesouro recebido em herança»[27].
       Esse tesouro outro não é que a verdade da fé. A verdade que permeia a nossa vida dando sentido a nossa existência, em outras palavras, nos fazendo santos. O leigo, como já vimos, é chamado a viver a santidade. E essa vocação a santidade, nos dirá o Papa João Paulo II:
«possui sua raiz no batismo e vem riproposta pelos outros sacramentos, principalmente pela Eucaristia: revestidos de Cristo e embriagados do seu Espírito, os cristãos são santos e são, por isso, habilitados e empenhados a manifestar-se a santidade do seu ser na santidade de todo o seu agir»[28].
       De tal forma, se torna essencial para o leigo sua ativa participação na comunidade eclesial se alimentando de sua vida litúrgica e sacramental. De fato, os leigos compõem o corpo místico de Cristo que é um corpo vivo e que vivifica com a mesma vida os leigos, a saber, seus membros. A participação ativa dos leigos diz respeito à vida sacramental e também missionária, pois estes são chamados a dar testemunho de Cristo .
       É na assiduidade aos sacramentos que o leigo encontra aquela força necessária para viver e testemunhar a sua fé. Os sacramentos nos unem de forma intima a Cristo, dando-nos a plenitude de graças que nos faz capazes de uma vida santa. Como nos ensina o Papa João Paulo II: «a nossa união com cristo na Eucaristia deve se manifestar na verdade de nossas vidas...»[29]
        O batismo elimina o pecado original, nos restitui a dignidade de filhos de Deus e nos insere na própria vida da Trindade. A crisma é como um cumprimento do batismo, nos insere de maneira mais intima na comunidade cristã fazendo-nos assumir nossa identidade de cristãos, a saber, nossa vocação. A unção dos enfermos nos restitui a esperança nos momentos de dores e fragilidades físicas. É a presença de Cristo e sua cruz. Na confissão o pecador se encontra com o Deus que é Pai misericordioso, sempre disponível a perdoar e curar as graves feridas que o pecado deixa na alma humana.
       A eucaristia é o centro da vida cristã. É o coração da Igreja. Na eucaristia encontramos a nossa verdadeira identidade de cristãos, pois participamos do corpo e do sangue de Jesus Cristo. Este sacramento é a fonte da salvação. A vida eucarística alimenta a nossa fé e nos impulsiona a uma vida de santidade. Na mesa da eucaristia toda a Igreja se reúne na unidade da fé, partilhando a mesma esperança e participando da mesma vida de caridade. Na eucaristia nos unimos de forma especial a cristo, comungando de seu corpo e do seu sangue. E esta união a cristo se manifestará, sobretudo, na nossa união com o próximo. Em cristo formamos um só corpo, participando da mesma mesa eucarística.
       Esta realidade sacramental nos leva a uma outra realidade, a saber, a missionária. Aqui se refere a dimensão do testemunho. Ser santo é dar testemunho de Cristo em resposta aos apelos do tempo presente traduzindo em sua vida, ou com sua morte, o evangelho de salvação, como dirá João Paulo II: «um santo é, na vida e na morte, a tradução do evangelho para o seu tempo»[30].
       Todo batizado, quando vem crismado, é ao mesmo tempo convidado a assumir seu papel na comunidade paroquial, a saber, de testemunha do evangelho. Como vimos em precedência, todo aquele que vem inserido na comunidade eclesial pelo batismo, automaticamente é inserido no corpo místico de cristo como um membro vivo, que recebe a própria vida de cristo. De tal forma, este vem agraciado com um dom, em particular, o qual deve colocar a disposição da própria comunidade.  Como conseqüência a grande vocação à santidade, todos aqueles que responderam com generosidade a este apelo, recebem uma vocação particular, um dom de serviço dentro da vida paroquial. De fato, o leigo possui seu espaço dentro da paróquia, que não é aquela do sacerdote, mas um papel próprio de seu caráter laical, que não é por isso menos digno, no entanto, é diferente. Assim nos ensina o Santo Padre João Paulo II:
«Os vários ofícios e funções que os fieis leigos podem legitimamente desenvolver na liturgia, na transmissão da fé e nas estruturas pastorais da igreja, deverão ser exercitadas em conformidade a sua especifica vocação laical, diferente daquela dos ministros ordenados».[31]
Assim sendo, a dimensão comunitária é essencial para o cristão. Daqui nasce a dimensão do testemunho e da evangelização. Hoje mais do que nunca a Igreja precisa de testemunho de fé, de cristãos que queiram viver com seriedade seu batismo. «A Igreja necessita de santos leigos cristãos»[32] afirmou João Paulo II.
       Dentro da comunidade paroquial todos os cristãos encontram seu espaço. Cada um realizando seu papel de acordo com sua vocação especifica e com o dom recebido, “segundo a graça que nos foi concedida. Quem profetiza, faça-o segundo a fé. Quem serve, faça com generosidade. Quem ensina, que seja segundo a sã doutrina...”[33]
       E nisto consiste a santidade de todo cristão, a saber, responder com fé e generosidade ao apelo de Deus, testemunhando o evangelho de Jesus Cristo e anunciando  a salvação que este nos trouxe. «Existe uma santidade muito evidente de alguns homens, mas também existe a santidade desconhecida da vida quotidiana»[34], afirmou o Papa João Paulo II.
       O santo deve brilhar no horizonte da humanidade como homem de Cristo, testemunha do evangelho construtor da comunhão. O mundo necessita de santos, e esta é uma das constantes mensagens trazidas pelo Santo Padre João Paulo II:
«O mundo precisa urgente de uma primavera de santidade, que acompanhe os esforços de uma nova evangelização, e ofereça ao nosso tempo, desiludido de vãns promessas e tentados pela falta de coragem, uma indicação de direção e uma renovada confiança.»[35]

Conclusão

Diante de tudo o quanto vimos até aqui, podemos concluir que, a santidade, antes de tudo, é um dom de Deus. Este dom se apresenta como uma chamada universal, ou seja, todo homem é vocacionado a santidade. Esta santidade consiste em participar da própria vida da Trindade Santíssima. Este dom se concretiza no batismo, onde a pessoa recebe, por meio de Cristo, a filiação divina[36].
Como toda vocação requer uma resposta, a vocação a santidade de igual forma exige uma resposta da parte do homem. Esta resposta em primeiro lugar é a fé, que é uma forte e firme adesão a Cristo e a seu evangelho. Depois, esta fé traz intrínseca a si uma necessidade de empenho. Este empenho, outra coisa não é que a própria fé se concretizando em vida.
Podemos falar, portanto, de uma santidade ontológica e uma moral. Na verdade não são duas santidades, mas uma requer a outra. A santidade ontológica é o dom que recebemos de Deus, e a santidade moral é conseqüência desta, a saber, é o nosso empenho em corresponder ao chamado divino.
Dentro desta realidade, cada batizado, e portanto filho de Deus, vem integrado à Igreja, que é o corpo místico de Cristo[37]. Formando assim a comunidade dos santos. Esta integração é ontológica, mas também funcional, ou seja, participamos não apenas do corpo místico, mas também da comunidade missionária. Por isso, é importante que cada batizado descubra seu papel dentro da Igreja, frutificando assim o seu dom, recebido de Deus. E aqui se trata sobretudo, da dimensão do testemunho.
Como vimos, dentro desta prospectiva, o Papa João Paulo II, ao longo de seu pontificado, vem fazendo eco a esta verdade. Ele, como pastor, não cessa de chamar a consciência dos cristãos a respeito de seu estado de batizado, e portanto, de filho de Deus.
Constantemente o Papa nos convida a dar aquele testemunho, que é próprio de um cristão, que possui o Espírito de Cristo. Um testemunho que, como vimos, custará muitas vezes nosso próprio sangue. Em um mundo marcado por um profundo senso de individualismo, materialismo, hedonismo, e outras formas de ateísmo, o cristão vem convocado a manifestar-se como sal da terra e luz do mundo, testemunhando a Cristo, caminho, verdade e vida.
E nisto consiste a santidade, a saber, viver com coerência o nosso batismo. E sendo assim, todo batizado vem chamado a santidade. A santidade não é privilégio de alguns, dirá o Papa, mas é vocação universal, para todos[38]. O leigo, vem portanto, chamado a viver e frutificar aquela vida que recebeu no batismo, e assim, tornar-se um santo.
Santo não é somente aqueles que são elevados as honras dos altares, mas é todo aquele que vive com coerência a sua fé, no quotidiano de sua existência.
O leigo, como podemos concluir, possui um lugar privilegiado dentro do pensamento do Papa João Paulo II. Este, constantemente relembra ao leigo seu estado de santidade e, muitos foram os leigos elevados as honras dos altares por Ele. 

Ps. Este artigo, de autoria do teologo e Mestre em Filosofia, Edney Menezes Nogueira. Provavelmente, de 2003, escrito em Roma.
Bibliografia
Concilio Ecumênico Vaticano II Constituição Dogmática sobre a Igreja Lúmen  Gentium. Massimo, Milano, 2001.
Diccionario de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II, Madre de Dios, Madrid, 1998.
Giovanni Paolo II, Esortazione Apostolica Chistifideles Laici ( 30.12.1988), Paulus, S. Paulo, 2001.
 Giovanni Paolo II  il Progetto di Dio.  Fabbri, Milano, 1997
Giovanni Paolo II ai Laici, I laici oggi, Rivista Del Pontf. Consiglio per i laici, Città del Vaticano, 1987
João Paulo II,Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte (06 de janeiro de 2001), Loyola, S. Paulo, 2001.
Non abbiate paura, pensieri dal magistero di Giovanni Paolo II, L.E.Vaticana, Città Del Vaticano,1993
Sant’Agostini. Confessioni, Fabbri, Milano, 1996



[1] Homilia em la beatificación de cracovia, Polônia, 22 – 6- 1979. In Diccionario de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II.. Madre de Dios, Madrid, 1998. No.4115
[2] Homilia em Munich, Alemanha, 3 – 5 – 1987. In Diccionario de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II. No.4125.
[3]João Paulo II,Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte ( 06 de janeiro de 2001),  30.
[4]Giovanni Paolo II, Esortazione Apos. Chistifideles Laici ( 30 de decembre de 1988), 11.
[5] Ibid.
[6]Novo Millennio Ineunte, 28.
[7]  Homilia en canonización de Santos espanõles, 29.3.87. in Diccionario de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II.. No.4082.
[8] Concilio Ecumênico Vaticano II Constituição Dogmática sobre a Igreja Lúmen Gentium, 40.
[9] Lumen Gentium. 7b.
[10] Lumen Gentium. 39
[11] Lumen Gentium. 39
[12] Udienza generale, 1-12-93. In Giovanni Paolo II il Progetto di Dio.  Fabbri Editori, Milano, 1997, p. 49
[13] Ibid.
[14] Ibid.
[15] Udienza generale, 1-12-93. In Giovanni Paolo II il Progetto di Dio, p. 49
[16] Lumen Gentium, 32b.
[17]Udienza generale, 10 de novembre 1993, in Giovanni Paolo II ,il Progetto di Dio. p 49
[18] Audiência general, 24 – 11 – 93. In Diccionario de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II. No.4082.

[19] Homilia en canonización de Santos espanõles, 29.3.87. In Diccionario de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II. No.4082.
[20] Homilia, Dublino, 29 settembre 1981. In Giovanni Paolo II ,il Progetto di Dio. p.75
[21] Omelia nella Parrocchia dei Santi Protomartire, Roma, 21  aprile  1985. In Giovanni Paolo II ,il Progetto di Dio.  p. 11.
[22]Discorso presso il Santuário della Madona delle Gracie, Benevento, 2 luglio de 1990. Ibid. p. 12.
[23]Discorso allá gioventù salesiana, Roma, 5 maggio 1979. Ibid. p. 21.

[24] Sant’Agostini. Confessioni, libro primo, cap. I. Fabbri Editori, Milano, 1996, p.53.
[25] Cf. Omelia, Viedma- Argentina, 6 aprile 1987. In Giovanni Paolo II ,il Progetto di Dio. p. 29.
[26] Omelia dinanzi alla catredale di Munster, 1 maggio 1987. Ibid. p. 30.
[27] Chistifideles Laici , 20.
[28] Ibid. 16
[29] Omelia, Dublino, 29 setembre 1979, In  Giovanni Paolo II ,il Progetto di Dio. p. 75.
[30] Omelia, Duomo S. Stefano, Viena, 12.9.83. In  Giovanni Paolo II ai Laici. I laici oggi, Rivista Del Pontf. Consiglio per i laici, Città del Vaticano, 1987, p. 64
[31] Chistifideles Laici , 23
[32] Alla plenária del Pontf. Consiglio per i laici, 7.6.86, In Giovanni Paolo II ai Laici. I laici oggi. Rivista Del Pontf. Consiglio per i laici,  p. 65
[33] Cf. Rm. 12, 6ss
[34] Omelia, Duomo S. Stefano, Viena, 12.9.83. . In Giovanni Paolo II ai Laici. p. 64
[35] Angelus, 1.11.1992. In, Non abbiate paura, pensieri dal magistero di Giovanni Paolo II,  L.E.Vaticana, 1993, p. 437
[36] Cf. Chistifideles Laici , 11
[37] Cf. Lumen Gentium. 7b.
38 Cf. Homilia em Munich, Alemanha, 3 – 5 – 1987. In Diccionario de Teologia y Espiritualidad de Juan Pablo II. No.4125.