Um fator
determinante na distinta configuração da vida da Igreja no Oriente e no
Ocidente foi a expansão islâmica. Basta saber que, já no VII século três dos
quatro grande patriarcados do Oriente estavam sob o domínio islâmico[1].
Estes patriarcados, atuando na resistência ao rápido avanço muçulmano foram
dedicando-se, cada vez mais, às questões internas e buscando soluções
autóctones aos problemas que surgiam, diminuindo, assim, cada vez mais, os
contatos com a catolicidade ocidental. Até 1054, o ano do Grande Cisma, o maior
protagonista foi sendo a Igreja Grega. Somente após esta ruptura é que foi-se
convocando Concílios finalizados à unificação, ao saneamento da ruptura e à
restauração da unidade da Igreja Católica. Deste estes concílios, o ultimo fora
o di Firenze – de 1439 – que parece ter seu intuito frustrado pois coincidira
com a queda do Império cristão do Oriente.
Dentre os
fatores que acentuaram as diferenças entre o oriente e o ocidente cristão está
toda a questão política entorno da criação do Império de Carlomagno, continuado
no Império germânico que foi segregando Roma e o Papado[2]
das influências do Império Bizantino, instituindo uma nova ordem social e
religiosa fundada, exclusivamente no valores da ocidentalidade latina. A única
exceção ainda existente à época era a região meridional da península Itálica,
dominada pela império bizantino mas que, no século XI conhecera seu ocaso;
eliminando, assim, o único campo de contato entre duas realidade sociais e
religiosas.
Dos fatores da
separação, não pode ser desconsiderado aquele a propósito da Ilíria ou dos
búlgaros, mesmo sabendo que em campo propriamente religioso, os mal-entendidos
eram inúmeros, principalmente pela mutua ignorância que vinha se alastrando.
Daqui a questão do Filioque ter sido
um novo e grave motivo para o aumento das suspeitas de heresias que vinha-se
fomentando mutuamente.
Vista como foi
sendo formulada a questão, parece justa a afirmação de Orlandis:
“En fin,
históricamente es lícito afirmar que al cisma se llegó casi insensible tras un
largo proceso de enfriamiento de ese afecto de caridad que era indispensable
para que pudiera sobrevivir el vínculo de la comunión eclesial” (Orlandis,
263).
Em seguida,
ver-se-á rapidamente algumas questões que desembocaram no Grande Cisma: a das
imagens, a dos búlgaros, a da controvérsia entre Inácio e Fócio; e, enfim, o
cisma de Miguel Celulário.
Primeira questão: a das imagens
No início do
século VIII a invasão árabe fazia ainda mais ameaçadora e foi somente com a
instauração da dinastia Isáurica – fundada pelo comandante Leão III (717-741).
Reforçou-se o Império bizantino em relação aos perigos exteriores, mas
instaurou-se uma forte divisão interior por meio de um polemica entrono ao uso
religioso de imagens, marcante dentro da tradição religiosa oriental popular. O
problema foi suscitado pois Leão Isáurico era proveniente de uma província
asiática onde a influência judaica e muçulmana defendia a impossibilidade de
representar plasticamente a Divindade. Segundo Orlandis, corroborou para a
situação a seita dualista dos paulicianos[3],
radicalmente iconoclasta. O fato é que em 726 o Imperador decretou a proibição
de venerar imagens e, em seguida, deu ordem para que fosse destruídas. Em
seguida Leão III pretendeu que o Papa Gregório II sancionasse tais medidas.
Diante da recusa, o Imperador confiscou as propriedades pontifícias encravadas
nas zonas meridionais da península Itálica, segregando assim, o mundo bizantino
da mundo latino.
Nessa peleja,
os imperadores isáuricos se valiam da obediência de seus exércitos – quem eram
os executores materiais da política iconoclasta; e, da outra parte, os monges e
o povo foram os grandes defensores dos ícones, sofrendo, por isso, perseguição
e morte.
O combate
tornou-se ainda mais acirrado com o sucessor de Leão III, seu filho,
Constantino V, Coprônico (741-775), que teve a pretensão de revestir de caráter
teológico a peleja iconoclasta, convocando, para este fim, um Concílio em
Constantinopla (754)[4],
que condenou como idolatria a veneração de imagens e excomungou os defensores
desse culto[5]. Após este Sínodo a
autoridade político procedeu à sistemática destruição das imagens, de
relíquias, chegando a determinar a proibição da oração e do culto aos santos.
A situação
mudou somente após a ascensão ao trono de seu filho, Leão IV, casado com a
imperatriz Irene, partidária da iconodulia. Viúva, Irene passou a reger o trono durante a minoridade de seu
filho Constantino VI. Assim, de acordo com o Papa Adriano I, reuniu o segundo
Concílio de Niceia (787), o sétimo ecumênico. Este Concílio declarou nulas as
decisões daquele Sínodo e formulou – com base na teologia de João Damasceno[6]
– a doutrina ortodoxa sobre a veneração das imagens, definindo que a verdadeira
latria era exclusiva de Deus, mas que
as imagens de Deus, da Virgem Maria, dos anjos e santos podiam ser veneradas,
sendo legitimo render-lhes honra[7].
“deste modo, percorrendo a regia estrada,
seguindo em tudo e para tudo o inspirado ensinamento dos nossos santos padres e
a tradição da Igreja católica reconhecemos, de fato, que o Espírito Santo
habita nessa e nos definimos com toda cautela e diligencia que, à semelhança da
preciosa e vivificante Cruz, as veneráveis e santas imagens – em forma de
pintura ou de mosaico – de toda e qualquer matéria adapta, devam ser expostas
nas santas igreja de Deus, nas sacras objetos e nas vestes, nas paredes e sobre
as mesas, nas casas e nas ruas; sejam estas, imagens do Senhor e Salvador nosso
Jesus Cristo, ou aquela da Imaculada Senhora nossa, a santa mãe de Deus, dos
anjos dignos de honra, de todos os santos e homens pios. De fato, quanto mais
continuamente esses são vistos nas imagens, quanto mais os que lhes veem são
conduzidos à lembrança e ao desejo daqueles que tais imagens representam, e a
tributarem a estes respeito e veneração. Não se trata, certamente, segundo
nossa fé, de um verdadeiro culto de latria – pois este é reservado somente à
natureza divina – mas de um culto semelhante àquele tributado à imagem da
preciosa e vivificante cruz, aos santos evangelhos e a outros objetos sagrados,
honrando com a oferta de incenso e de velas, como era costume entre os antigos.
A honra tributada à imagem, de fato, passa àquele que esta representa; e quem
adora a imagem, adora à substancia de quem nela é reproduzido” [8].
Mesmo
definindo esta doutrina teológica, nos séculos vindouros, exemplarmente, no
século IX, foi registrada outra onda iconoclasta concomitante à subida ao trono
de Leão V, o Armeno (813-820). Com sua prematura morte, subiu ao trono a
imperatriz Teodora – enquanto seu filho, Miguel III, não atingia a maioridade –
que reuniu um Sínodo em Constantinopla (843), restaurando definitivamente o
culto das imagens, celebrado hoje, na Igreja Grega, como a Festa da Ortodoxia, no primeiro domingo da Quaresma.
Visto que a
questão da imagens suscitara não somente um relativa aproximação do papado e
uma neta e distinta reação por parte do clero secular e do clero religioso;
pode-se enfeixar afirmando que a perseguição desencadeada pelos imperadores
heréticos contribuira para que a ortodoxia representado por Roma reaflorasse.
Segunda questão: a dos búlgaros
Esta segunda
questão deu-se enquanto na Sé constantinopolitana subseguiram-se os patriarcas
Inácio e Fócio.
Sucintamente,
a questão pode ser posta nos seguintes termos: o príncipe búlgaro, Boris, em
864, converte-se ao Cristianismo e busca fazer o mesmo com seus súditos. Com
este intuito, solicitou ao patriarca constantinopolitano de então, Fócio, que
organizasse, na Bulgária, uma hierarquia eclesiástica completa, de modo que o
país pudesse contar, o mais rápido possível, com uma igreja autônoma,
autocéfala. Desejando que a Bulgária caísse sobre sua jurisdição o Patriarca
foi adiando a data para um resposta a soberano búlgaro, o que veio a irritá-lo.
Boris, vista a demora, mandou em embaixada ao Papa Nicolau I (800-867),
solicitando o envio de missionários e oferecendo a incorporação de seu povo à
Igreja latina. Digna di menção são os questionamentos búlgaros sobre as
diferenças disciplinares entre o cristianismo grego e o latino[9].
Nicolau I não somente respondeu a tais questionamentos, mas, também, enviou
missionários, precedidos por dois legados pontifícios – um deles era o italiano
Formoso, bispo da diocese portuguesa de Porto, o futuro papa. Não tardou muito
a Boris manifestar seu apreço pelo legado pontifício, pedido incisivamente que
o papa o nomeasse Arcebispo da Bulgária. Não tendo este pedido atendido e, a
causa de forte pressões bizantinas, Boris não somente despediu os missionários
latinos, retonando definitivamente à comunhão com o Patriarcado de
Constantinopla, em 870. Com o Grande Cisma, a Bulgária seguiu o mesmo caminho
traçado por Constantinopla.
Terceira questão: a da controvérsia entre Inácio e
Fócio
A questão
iconoclasta fez aflorar dois partidos dentro da Igreja Bizantina; e, estes
dois, atrelados aos dois patriarcas que sucederam-se, a saber: Inácio[10]
e Fócio[11].
O primeiro, filho do Imperador bizantino Miguel I, deposto em 813 por Leão III;
o segundo, um leigo erudito, oriundo da aristocracia bizantina.
A carreira eclesiástica de Fócio avançou de forma invlugar após o kaisar
Bardas e seu sobrinho, o jovem imperador Miguel, colocaram um fim na
administração da regente Teodora em 856 d.C. Em 858, foi a vez de Bardas se ver
em conflito com o patriarca Inácio de Constantinopla, que se recusava a
admiti-lo em Santa Sofia por causa de seu relacionamento com a sua nora, que
era viúva. Em resposta, Bardas e Miguel tramaram a deposição de Inácio e o
prenderam sob acusações de traição, deixando o trono vago. Bardas logo o
preencheu com Fócio, que foi tonsurado naquele mesmo ano e, nos quatro dias
subsequentes, foi ordenado leitor, subdiácono, diácono e padre. Ele foi
consagrado como patriarca de Constantinopla no Natal .
A deposição de Inácio e repentina promoção de Fócio provocaram um escândalo
e uma divisão eclesiástica de proporções internacionais, pois o papa e os
demais bispos ocidentais tomaram as dores de Inácio. A deposição dele sem um
julgamento eclesiástico formal significava que a eleição de Fócio era não
canônica e, eventualmente, o papa Nicolau I se envolveu na questão para determinar
a legitimidade desta sucessão. Legados foram despachados para a capital
imperial com instruções de investigar o caso, mas, ao encontrar Fócio já bem
estabelecido na posição, eles concordaram com a sua eleição num sínodo
realizado em 861 d.C. Ao retornarem para Roma, eles descobriram que não era
isso que Nicolau pretendia e, em 863, num outro sínodo realizado em Roma, o
papa depôs Fócio e reconduziu Inácio ao trono patriarcal. A ação foi
completamente ignorada em Constantinopla e, quatro anos depois, Fócio se
vingaria ao chamar um concílio e excomungando o papa por heresia, por causa da
questão do filioque.
Esta confusão mudou com o assassinato do patrocinador de Fócio, Bardas, em
866, e do imperador Miguel no ano seguinte pelo seu co-imperador Basílio I, o
Macedônio, que usurpou o trono. Fócio foi deposto como patriarca, não tanto por
ser protegido de Bardas e Miguel, mas por que Basílio procurava uma aliança com
o papa e com o imperador do ocidente. Fócio foi removido do cargo e banido por
volta de setembro de 867 e Inácio foi reinstalado em 23 de novembro. Fócio
então foi condenado pelo Concílio de 869-870. Não muito depois de sua
condenação, Fócio conseguiu se reconciliar com Basílio e se tornou o tutor dos
filhos do imperador. A partir de cartas sobreviventes de Fócio escritas durante
o exílio no mosteiro de Skepi, parece que o ex-patriarca pressionou o imperador
para que ele fosse reinstalado. Logo após Fócio ter sido convidado a se juntar
à corte, ele e Inácio se encontraram e se reconciliaram publicamente. Quando
Inácio morreu em 23 de outubro de 877, foi uma questão de dias até que seu
antigo oponente fosse novamente apontado como patriarca. Fócio desta vez obteve
o reconhecimento formal do mundo cristão num concílio reunido em Constantinopla
em novembro de 879. Os legados do papa João VIII compareceram, preparados para
reconhecerem Fócio como patriarca legítimo, uma concessão pela qual João seria
muito censurado pela opinião dos autores latinos. O patriarca permaneceu firme
nos principais pontos de contestação entre as igrejas do ocidente e do oriente,
o pedido de desculpas exigido pelo papa, a jurisdição sobre a Bulgária e a
introdução da cláusula filioque no
credo niceno-constantinopolitano. Eventualmente, Fócio se recusou a se
desculpar ou aceitar a inclusão do filioque
e os legados tiveram que se contentar em retornar para casa apenas com a
jurisdição sobre a Bulgária para Roma. Esta concessão, porém, era puramente
formal, pois a Bulgária retornou ao rito bizantino em 870 e já havia assegurado
para si o status de igreja autocéfala. Sem o consentimento de Bóris I da
Bulgária, o papado não tinha a menor condição de fazer valer suas pretensões
sobre o território.
Durante as disputas entre Basílio e seu herdeiro, Leão, Fócio tomou o lado
do imperador. Em 883, Basílio acusou Leão de conspirar contra sua vida e
confinou o príncipe no palácio. Ele o teria cegado não fosse pela intervenção
de Fócio e de Estiliano Zautzes, o pai de Zoé Zautsina, a amante de Leão. Em
886, Basílio descobriu e puniu outra conspiração, desta vez dos empregados do
hicanátos João Curcuas e muitos outros oficiais. Nesta, Leão não foi implicado,
mas Fócio era possivelmente um dos conspiradores.
Basílio morreu em 886 num acidente de caça. Desta vez, a evidência aponta
para um plano por parte de Leão, que se tornou imperador e dispensou Fócio, que
havia sido seu tutor. Ele foi substituído pelo irmão o imperador, Estêvão I, e
enviado para exílio no mosteiro de Bordi, na Armênia. É possível confirmar,
pelas cartas de e para o papa Estêvão V, que Leão arrancou uma renúncia de
Fócio. Em 887, Leão montou um julgamento de traição contra Fócio, mas não
conseguiu a sentença que queria. A testemunha principal, Teodoro Santabarenos,
se recusou a testemunhar que Fócio estava por trás da remoção de Leão do poder
em 883 e acabou sofrendo a fúria do imperador após o término do julgamento.
Como persona non grata, Fócio
provavelmente retornou à força para a vida monástica. Porém, parece que ele não
permaneceu em opróbrio pelo resto de sua vida.
Fócio continuou sua carreira como um escritor no reino de Leão, que
provavelmente reabilitou a sua reputação nos anos seguintes. Em sua Epitaphios, sobre seus irmãos, um texto
provavelmente escrito em 888, o imperador representa Fócio favoravelmente,
retratando-o como o patriarca legítimo e um instrumento de unidade, uma imagem
em contraste com as suas ações contra ele em 886 - 88722 . A confirmação de que
Fócio fora reabilitado apareceu depois de sua morte: de acordo com algumas
crônicas, foi permitido que seu corpo fosse sepultado em Constantinopla.
Também, de acordo com o biógrafo de Inácio, anti-Fócio, os aliados do
ex-patriarca clamaram por sua santidade após a sua morte. Além disso, um
proeminente membro da corte de Leão VI, Leão Choiropaktes, escreveu poemas
comemorando a memória de diversas figuras famosas da época, como Leão, o
Matemático e o patriarca Estêvão, e também Fócio.
A Igreja Ortodoxa venera Fócio como um santo, comemorado no dia 6 de
fevereiro. Já, no martirológio romano da Igreja Católica Romana, Inácio é considerado um
santo, comemorado no dia 23 de outubro. Permanece, não obstante as divergentes
opiniões de Católicos e Ortodoxos acerca da santidade destes dois patriarcas,
permanece o fato que Fócio tenha passado para a história como o maior acusador
da Igreja Ocidental como uma igreja herética por causa da adição do filioque ao Símbolo do Fé. Como confirma
Orlandis: “que ello no fue sólo um gesto circustancial, lo
demuestra el hecho de que, privado ya definitivamente del patriarcado, Focio dedico
los últimos años de su vida a componer la ‘Mystagogia’, del Espíritu Santo, um
tratado destinado a refutar la doctrina teológica de los latinos” [12].
Quarta questão: a que culminou com o cisma de Miguel
Cerulário[13]
Enquanto o
século IX fora marcado pelo Cisma de Fócio, o século seguinte foi marcado por
ulteriores incidentes e tensões sem que, porem, fossem sendo produzidas
rupturas irreparáveis. Já, o século XI descortinou-se com um episodio
significativo para a separação aqui estudada, toda a problemática entorno aos
nomes de Miguel Cerulário e o legado do papa Leão IX[14],
o Cardeal Humberto de Silva Cândida[15],
autor formal da excomunhão que colocou um ponto final nas tensas relações entre
a Igrejas Latina e Bizantina.
Nascido em
Constantinopla, o patriarca Miguel I Cerulário disputou com o papa Leão IX
sobre as práticas litúrgicas distintas entre as igrejas no ocidente e no
oriente, especialmente o uso de pão ázimo na Eucaristia. Leão enviou uma carta
ao patriarca em 1054 citando uma grande parte da Doação de Constantino, que se acreditava na época ser um documento
genuíno. Leão IX assegurou ao patriarca que a doação era completamente genuína
e, por isso, apenas o sucessor apostólico de Pedro possuiria esta primazia e
era o herdeiro genuíno da Igreja.
Esta carta do
papa Leão IX também foi enviada para Leão, o arcebispo da Bulgária, e era uma
resposta a uma carta enviada por este Leão, metropolita de Ácrida (sede do
arcebispado no Reino da Bulgária), para João, bispo de Trani, na região sula da
Itália chamada Puglia, na qual ele atacava furiosamente os costumes da igreja
latina que diferiam dos da grega. Atenção especial foi dedicada a criticar as
tradições romanas do jejum no dia de descanso e a consagração de pão ázimo.
Leão IX, na resposta, acusou a Igreja de Constantinopla de ser historicamente
uma fonte de heresias confirmou, em termos categóricos, a primazia do bispo de
Roma inclusive sobre o patriarca de Constantinopla. Miguel não aceitou nada
disto.
A carta do
patriarca para o papa Leão IX iniciou a sequência de eventos que se seguiram
pois ela reivindicava o título de patriarca
ecumênico – um tema que já havia provocado discórdia na época de João IV Nesteutes
quatrocentos anos antes. O papa enviou alguns legados, dentre eles os cardeais
Humberto de Silva Candida e Frederico de Lorena, numa missão em seu nome para
ameaçar o patriarca. Cerulário se recusou a se encontrar com ele e o manteve
esperando por meses. Por isso Humberto entregou uma nota de excomunhão contra
Miguel em 16 de julho de 1054[16],
apesar de o papa Leão ter morrido três meses antes, o que invalidaria o ato. Após
ter interpretada a excomunhão como válida para toda a Igreja grega, Miguel, por
sua vez, excomungou os legados pontifícios, estendendo a excomunhão àqueles que
lhes haviam enviado; e retirou o nome de Leão dos dípticos, iniciando assim o
Grande Cisma. Este cisma levou ao fim a aliança entre o imperador bizantino e o
papado, o que fez com que os papas posteriores se aliassem aos normandos contra
o Império Bizantino. O patriarca Miguel fechou as igrejas latinas em sua
jurisdição, o que só exacerbou a situação.
Miguel Cerulário
se envolveu também na negociação da abdicação de Miguel VI, o Estratiótico,
convencendo-o a renunciar em 1057 em favor do revoltoso general Isaac, que
tinha sido declarado anteriormente imperador pelo exército. O imperador
obedientemente seguiu o conselho do patriarca e se tornou um monge. Tendo tido
um papel em colocá-lo no trono, Cerulário logo discutiu com o imperador Isaac I
Comneno sobre o confisco das posses da igreja. Após os contrastes ente o
Imperador e o Patriarca – o religioso estava favorecendo a revolta dos
exércitos da Ária –, este último renunciou ao trono, cabendo ao Patriarca a
indicação do nome do novo basileus
que foi Constantino
Ducas.
A grande importância
da Igreja bizantina no Oriente, seu forte impulso missionário, pode ser
destacada com as afirmações de P. Orlandis:
“El importante papel jugado por la Iglesia
griega salta a la vista si se considera que la mayor parte del mundo eslavo fue
cristianizado por Ella y por eso, em disciplina e liturgia, recebió las
modalidades próprias del Cristianismo griego. Esta dependência de origen de las
principales Iglesias eslavas com respecto al Patriarcado de Constantinopla fue
causa también de que les alcanzasen las consecuencias del cisma y de que
siguieran tanbién los mismos pasos de aquél, en las relaciones com el
Pontificado Romano e la Iglesia latina” [17].
[1] Antioquia, Jerusalém e Alexandria (Orlandis, 261).
[2] Esta união entre o Império Oriental e o
Igreja bizantina foi impropriamente conhecida com o nome de cesaropapismo, dando a entender a
existência de um perfeito conúbio, o que, por outro lado, a própria historiografia
nega, haja vista os contrastes surgindo entrono dos limites jurisdicionais dos
Imperadores e dos patriarcas. De qualquer modo, esta união foi assegurando a
independência da Igreja bizantina, tutelando seus particularismos disciplinares
e litúrgicos; enfim, de sua independência em relação a Roma (Orlandis, 262).
[3] Orlandis,
263. El origen del
nombre Pauliciano es oscuro. Gibbon, en su Decadencia y Caída, dice que significa “Discípulos de San Pablo” (Photius,
op. cit., II, 11; III, 10; VI, 4). Su especial veneración por el apóstol, y su
hábito de renombrar sus líderes de acuerdo a sus discípulos puso algún color a
esta visión. De otro lado, la forma (Paulikianoi, no Paulianoi)
es curiosa; y el nombre parece haber sido usado sólo por sus oponentes, quienes
mantuvieron que ellos eran seguidores de Pablo de Samosata (Conybeare, op. cit., cv) …La última
autoridad, Ter-Mkdrttschian (Die Paulicianer, 63), dice que el nombre es un
diminutivo Armenio y significa “seguidores del pequeño Pablo” (Cf. Fortesque, «Paulicians», The Catholic Encyclopedia, XI, New York,
Robert Appleton Company, 1911 [Online Edition]; Grabar, 112, 126).
[4] Na verdade a historiografia confirma que
este Concílio foi realizado no palácio de Hieria, do outro lado do Bósforo, em
frente a Constantinopla; e que a última sessão decorreu na Igreja de Santa
Maria de Blaquerna. Estiveram presentes 388 bispos. Não compareceram, porém,
nenhum dos cinco patriarcas nem quaisquer representantes seus. A sé de
Constantinopla estava vaga desde a deposição de Anastácio no início daquele
ano, enquanto que Antioquia, Jerusalém e Alexandria estavam sob o controlo dos
sarracenos
[5] Dentre estes defensores, o maior expoente
fora João Damasceno. Este Concilio, por outro lado, foi considerado acéfalo
pois não contou nem com a participação do Papa – ou de um legado pontifício – e
nem sequem de um qualquer os patriarcas. Por este motivo o Papa Estevão II
chamou-o de Sínodo Execrável (Cf. Orlandis,
264).
[6] Damasceno considerava as imagens “sermões silenciosos; livros para os
analfabetos”. João distinguia a adoração da veneração, (Cf. Orlandis, 264).
[7] Cf. Orlandis,
264. Anatemi riguardo alle sacre immagini:
Se qualcuno non ammette che Cristo, nostro Dio, possa esser limitato, secondo
l'umanità, sia anatema. Se qualcuno rifiuta che i racconti evangelici siano
rappresentati con disegni, sia anatema. Se qualcuno non saluta queste
(immagini), (fatte) nel nome del Signore e dei suoi santi, sia anatema. Se
qualcuno rigetta ogni tradizione ecclesiastica, sia scritta che non scritta,
sia anátema (Magistero Pontifício,
http://digilander.iol.it/magistero/).
[8] “His
itaque se habentibus, regiae quasi continuati semitae, sequentes que divinitus
inspiratum sanctorum patrum nostrorum magisterium et catholicae traditionem
ecclesiae - nam Spiritus sancti hanc esse novimus, qui nimirum in ipsa
inhabitat -, definimus in omni certitudine ac diligentia, sicut figuram
pretiosae ac vivificae crucis, ita venerabiles ac sanctas imagines proponendas,
tam quae de coloribus et tessellis, quam quae ex alia materia congruenter se
habente in sanctis Dei ecclesiis et sacris vasis et vestibus et in parietibus
ac tabulis, domibus et viis; tam videlicet imaginem domini Dei et salvatoris
nostri Iesu Christi, quam intemeratae dominae nostrae sanctae Dei genitricis,
honorabilium que angelorum, et omnium sanctorum simul et almorum virorum.
Quanto enim frequentius per imaginalem formationem videntur, tanto qui has
contemplantur, alacrius eriguntur ad primitivorum earum memoriam et desiderium,
et his osculum et honorariam adorationem tribuendam. Non tamen veram latriam,
quae secundum fidem est, quae que solam divinam naturam decet, impartiendam;
ita ut istis, sicuti figurae pretiosae ac vivificae crucis et sanctis
evangeliis et reliquis sanctis monumentis, incensorum et luminum ad harum
honorem efficiendum exhibeatur, quemadmodum et antiquis piae consuetudinis
erat. Imaginis enim honor ad primitivum transit; et qui adorat imaginem, adorat
in ea depicti subsistentiam” (Concilia oecumenica et generalia
Ecclesiae catholicae - Concilium Nicaenum II a. 787, http://www.documentacatholicaomnia.eu/04z/z_0787-0787__Concilium_Nicaenum_II__Documenta__LT.doc.html).
[9] Nicolau I escreveu uma extensa resposta às
questões postas por Boris. Esta resposta passou à historia como as Responsa ad consulta Bulgarorum, de
grande interesse para os estudiosos da hisotira da doutrina católica. Em seu
aspecto disciplinar as Responsa,
desde a perspectiva grega, possuía um tom pejorativo pois exaltava a
superioridade romana no celibato do clero; tocando também na questão das
segundas núpcias e na liturgia matrimonial (Cf. Orlandis,
267).
[10] Ιγνάτιος foi o patriarca de Constantinopla
por dois períodos: de 847 até 858, e novamente de 867 até a sua morte, em 23 de
outubro de 877. No martirológio romano da Igreja Católica Romana, ele é
considerado um santo, comemorado no dia 23 de outubro. O seu nome de nascença
era Nicetas e ele era filho do imperador bizantino Miguel I e de Procópia. Seu
avô por parte de mãe era o imperador Nicéforo I, o Logóteta (Cf. O’Connor, J.B., «St.
Ignatius of Constantinople», The
Catholic Encyclopedia: An International Work of Reference on the Constitution,
Doctrine, Discipline, and History of the Catholic Church, VII, Robert
Appleton Company, 1913).
[11] Φώτιος I de Constantinopla foi o patriarca
de Constantinopla por dois períodos (858-867 e, 877-886). Ele é reconhecido
pela Igreja Ortodoxa como São Fócio, o Grande; considerado o mais poderoso e
influente patriarca de Constantinopla desde João Crisóstomo e como o mais
importante intelectual de seu tempo; uma figura central tanto na conversão dos
eslavos ao cristianismo quanto no cisma de Fócio. Era um homem bem educado
nascido de uma família nobre de Constantinopla. Seu tio-avô era o falecido
patriarca Tarásio. Ele pretendia se tornar um monge, mas escolheu ser um
acadêmico e um estadista ao invés disso. Em 858 d.C., o imperador Miguel III, o
Ébrio depôs o patriarca Inácio e Fócio, ainda um leigo, foi levado ao trono
patriarcal em seu lugar. Em meio a disputas de poder entre o papa e o imperador
bizantino, Inácio foi reconduzido ao cargo e Fócio foi derrubado pela primeira
vez. Ele reassumiu a posição com a morte de Inácio em 877 por ordem do
imperador e com a aprovação do novo papa, João VIII. Os católicos consideram o
IV Concílio de Constantinopla, que anatemizou Fócio como legítimo, enquanto que
os ortodoxos consideram um outro concílio, homônimo, que reverteu o primeiro,
como legítimo. Esta contestação mútua sobre o que seria o oitavo concílio
ecumênico marca o final da harmonia representada pelos sete primeiros concílios
ecumênicos aceitos pelas duas Igrejas (Cf. Cross,
F.L., ed., «Photius», The Oxford
dictionary of the Christian church, New York, Oxford University Press, 2005).
[13] Miguel I (1000-1059), dito Cerulário, foi
o patriarca de Constantinopla ente 1043 e 1054. Foi durante o seu patriarcado
que ocorreu o Grande Cisma que separou a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa.
[14] Papa Leão IX (1002-1054), foi papa de 12
de fevereiro de 1049 até a data de sua morte. Foi principalmente um papa
viajante, trabalhando pela paz na Europa; um reformador, tendo-se inscrito na
reforma dita «gregoriana», convocando durante seu pontificado 12 Concílios. Suas
principais lutas foram contra: a taxa eclesiástica (a simonia); o casamento bem
como a concubinagem dos padres (o nicolaísmo); os bispos não deveriam ser
príncipes do Império, mas simples teólogos; o retorno dos valores do
cristianismo primitivo. São Leão é festejado em 19 de abril, dia do aniversário
da sua morte.
[15] Humbert de Moyenmoutier (também Humbertus
Burgundus, Humbertus de Silva Candida); foi um prelado francês, cardeal e um
oblato beneditino. Foi secretario e conselheiro do bispo de Toul, que após ter
sido eleito papa, em 1049, com o nome de
Leão IX, convidou-o a Roma e o fez arcebispo da Sicília (mesmo sendo
impedido pelos ítalo-normandos de desembarcar na ilha) e, posteriormente,
cardeal-bispo da diocese suborbitária de Santa Rufina – Selva Candida –, em
1050. Estreito colaborador dos papas Leão IX e Nicolau II; com Píer Damiani eIldebrando
de Soana, posteriormente eleito para o Sólio Pontifício com o nome de Gregório
VII, um dos máximos fautores da reforma da Igreja do século XI. Sob Leão,
tornou-se o principal secretário papal e, numa viagem, em 1053, recebeu de
João, bispo de Trani, uma carta de Leão de Ácrida, criticando os costumes e as
práticas litúrgicas ocidentais. Ele traduziu a carta do grego para o latim e a
entregou ao papa, que ordenou que uma resposta fosse composta. Esta troca fez
com que Humberto fosse enviado como chefe de uma missão, que tinha também
Frederico de Lorena, futuro papa Estêvão IX, e Pedro, arcebispo de Amalfi, a
Constantinopla para confrontar o patriarca Miguel Cerulário. Ele foi
cordialmente recebido pelo imperador bizantino Constantino IX Monômaco, mas foi
ignorado por Miguel. Eventualmente, em 16 de julho de 1054, apesar de Leão ter
morrido e seus atos a partir da morte serem inválidos, ele deixou uma bula de
excomunhão no altar da Igreja de Santa Sofia durante a celebração da liturgia.
Este evento cristalizou oficialmente o gradual cisma que vinha se formando
entre o cristianismo oriental e o ocidental e sua data marca o início do Grande
Cisma do Oriente.
[16] Em 1965, ambas as excomunhões foram
rescindidas pelo papa Paulo VI e pelo patriarca Atenágoras I de Constantinopla
quando eles se encontraram no Concílio Vaticano II. Mesmo tendo sido inválida a
excomunhão do cardeal Humbert, este gesto representou um passo significativo em
direção à restauração da comunhão plena novamente entre Roma e Constantinopla.
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