INTRODUÇÃO
Realizar uma pesquisa sobre um personagem dos
quais já se escreveu inúmeros livros e também já interpretaram a sua vida de
várias maneiras, é uma tarefa não muito fácil, pois o que pode advir será uma
mera repetição, isto, consentindo que de Martinho Lutero comentaram ou
interpretaram seu pensamento de diversos âmbitos.
A personalidade de Martinho Lutero, desde
qualquer ângulo que se possa considerá-la, é bastante complexa e resulta ser
uma abordagem quase que inacabável, pois, ele é contemplado desde o ponto de
vista teológico e filosófico por muitos autores de vários ramos de estudos
científicos. Por muitos séculos, Lutero foi considerado por muitos cristãos
católicos sob um prisma negativo. Há quem afirma Lutero como o homem que não
somente deu à Alemanha uma das primeiras obras literárias em língua vulgar,
como também, contribuiu para uma formação de uma consciência nacional alemã.
O princípio da teologia da reforma está na
afirmação de que o pecador alcança a justificação só por meio da promessa da
justiça de Cristo, aceita unicamente na fé. É realizada só por meio de Cristo;
é só graça; é prometida pela palavra do evangelho e aceita unicamente na fé.
Aqui conseguimos assinalar o fundamento da doutrina luterana: solus Christus, sola gratia, sola Scriptura
e sola fides.
No entanto, queremos a partir do conhecimento
de sua biografia, obras e acima de tudo do seu pensamento chegar a entender os
“por quês” de toda a revolução que este religioso conseguiu realizar em sua
época. Para chegar à aquisição deste conhecimento iremos utilizar-nos de
algumas ferramentas preciosas para nossa análise: compreender o contexto
histórico em que o autor está inserido, partindo
dos conhecimentos sobre a sua infância, do seu ingresso no mosteiro dos
agostinianos, das suas influências místicas, como também do seu pensamento
sobre a Igreja que se convencionou chamar das “95 teses” e da revolução
religiosa e política causada inicialmente na Alemanha e posteriormente em toda
a Europa naquele tempo.
Diante
desses pressupostos poderemos chegar a uma conclusão sobe toda a pesquisa
realizada e expormos o nosso parecer diante de tal figura que com seu pensamento
conseguiu mudar a sociedade de seu tempo.
VIDA
Martinho
Lutero, tido como precursor da Reforma Protestante, nasceu em Eisleben,
Alemanha, a 10 de novembro de 1483, filho de camponeses católicos. Como era
comum na época, foi alvo de uma disciplina rígida. O menino Lutero aprendeu, entre
outras coisas a orar aos santos, realizar boas obras e respeitar o papa e a
Igreja com reverência.
Logo
cedo aos 5 anos, Lutero começou a estudar latim em uma escola local. Aos 12
anos foi aluno da escola de uma irmandade religiosa em Magdeburgo. Em 1505
recebeu grau de mestre em Artes da Universidade de Erfurt e logo depois começou
a estudar Direito. Pouco tempo após iniciar a estes resolveu tornar-se monge e
ingressa no Mosteiro agostiniano de daquela cidade. A sua ordenação foi em
1507. Em seguida deixou este mosteiro para ensinar filosofia moral na
Universidade de Wittenberg, na qual continua seus estudos e obtêm o título de
doutor em teologia. De 1513 a 1518 foi professor de teologia bíblica na mesma
universidade, e começa a ficar conhecido.
Já
com certa idade, começa a ser afligido por uma angústia que pode ser sintetizada
em uma pergunta: se o coração da pessoa é governado pelo pecado, como pode
esperar salvação diante de Deus? Por causa do que havia aprendido, procurou
resposta por meio de boas obras, como jejuns e autoflagelação. Porém, continua
a se sentir incapaz de sentir paz diante de Deus, ficando desesperado.
Protesta
contra a teoria da Igreja Romana do mérito extra, no qual as pessoas poderiam
transferir suas indulgências a outros, principalmente por meio de pagamento.
Foi então, que em 31 de outubro de 1517, fixa na porta da Igreja de Wittenberg
uma série de críticas, que se tornaram conhecidas
como 95 Teses, sua principal ou mais conhecida obra e que
discorreremos sobre mais adiante.
Por
causa de suas críticas é convocado por Roma para responder as acusações de
heresia. Sabendo disso, o Príncipe da Saxônia, Frederico, o Sábio, interveio e
insistiu que a audiência de Lutero fosse realizada em solo alemão. Como
resultado, uma Dieta Imperial foi realizada na cidade de Augsburgo, em 1518.
Lutero se recusou a mudar de opinião. Temendo ser preso, fugiu. As idéias de
Lutero logo encontraram adeptos em todas as regiões da Alemanha, e mesmo fora
dela. A resposta do Papa à situação foi uma bula papal ameaçando Lutero de excomunhão, caso não se
retratasse. Em protesto, ele queimou publicamente a Bula e foi excomungado em
janeiro de 1521. Em junho de 1525, Lutero casou-se com Catarina de Bora, uma
ex-freira. Os dois tiveram seis filhos e abrigaram onze órfãos. Lutero faleceu de derrame cerebral em 1546, aos 63
anos de idade, em sua cidade Natal, Eisleben. Seu corpo foi sepultado na Igreja
do Castelo de Wittenberg, onde, cerca de 30 anos antes, havia afixado suas 95
Teses.
OBRA
Nos escritos de Lutero toda a vida e a história da Igreja
são questionados. A resposta as suas obras e as suas ideias vêm através
da bula de Leão X intitulada
Exsurge Domine, de 15 de junho de
1520, a qual teve a colaboração de Caetano e de Eck. Inicialmente Lutero fingiu
não se importar com a bula, mas depois reagiu ferrenhamente e se arrogou no
direito e com o poder de excomungar o papa e os seus colaboradores, quando
publicou um libelo com o nome de Adversus execrabilem
bullam Antichristi.
Suas
teses eram um protesto contra o abuso da
autoridade do Papa, especialmente no sentido de desafiá-lo a esvaziar de graça
o purgatório, já
que o controla. Lutero também negou o ensino do “mérito extra” que estava por trás das indulgências.
Segundo ele, o verdadeiro tesouro da Igreja é o Evangelho.
Por essas ideias pública sua principal obra, as "95 teses". As teses iniciam com uma premissa:
“Para fazer com que brilhe a verdade, tudo o que está
abaixo será discutido em Wittenberg, sob a presidência do R.P. Martinho Lutero,
[...]. Por isso, ele pede que todos os que não
puderem estar presentes para discutir conosco, façam-no
por escrito”.
O conjunto das “95 teses” pode ser
separado de acordo com a temática a respeito da prática e da teologia da
penitência. No geral são: uma exortação a penitência (1-4; 92-95); o cristão não deve cair numa falsa segurança, confiando em
indulgências, dinheiro, ritos exteriores (30-32;49), mas alcançar a cruz; chama
atenção para o essencial – o evangelho (92), a cruz de Cristo (68; 92-95), a caridade
pra com os pobres (41-45;59), a interioridade (4; 48; 94). Algumas fazem uma
crítica dura aos abusos presentes na Igreja e aos cristãos da época.
Lutero publicou cerca de 400 obras durante a sua vida,
incluindo comentários bíblicos,
catecismos, sermões e tratados. Também
escreveu hinos para a Igreja. Parte de suas obras estão publicadas em diversas
línguas modernas.
TESES
Nos primeiros anos de sua experiência no mosteiro dos
agostinianos, Lutero lê e medita com frequência os escritos de alguns autores
místicos, buscando encontrar respostas subjetivas (necessidade de salvação e
de justificação perante Deus) que nem a oração nem as duras penitências
conseguem transmitir-lhe.
A
junção do ockhamismo, da mística e da sua
particular psicologia, além de dificultar-lhe a distinção
entre concupiscência, pecado e
consentimento, conduzem Lutero para a ideia da absoluta anulação do homem
diante de Deus e para a necessidade do abandono passivo à sua vontade. Também
contribuíram para forjar seu pensamento algumas leituras de místicos como:
Johannes Tauler; o anônimo livro Theologia Teutsch, talvez escrito por João de
Frankfurt e João Gerson. Também era apaixonado pelos tratados antipelagianos de Santo
Agostinho e das cartas de São Paulo.
Mais tarde, Lutero atribuiu a sua tomada de decisão a uma
iluminação que teria tido, talvez em 1517, quando no seu quarto, que ficava
numa das torres do convento (por isso o episódio ficou conhecido como
experiência da torre), meditava sobre um trecho da carta aos Romanos 1,17:
“Porque nele se manifesta a justiça de Deus, pela fé e para a fé, como está
escrito: o justo viverá pela fé!”. A partir deste texto, Lutero compreendeu que aqui não
se fala da justiça vingativa, mas da justiça
salvífica, a
graça com a qual Deus nos santifica, pois
o termo “justiça” não se
refere à intervenção pela qual Deus premia os justos e pune os pecadores,
mas fala do ato com o qual o próprio Deus cobre os pecados de todos os que se
entregam a Ele mediante a Fé.
As ideias de Lutero sobre as indulgências já haviam
sido expostas antes, mas de forma velada e respeitosa, nas salas de aulas, nas
pregações, e em suas cartas privadas e ainda em alguns atos públicos. Com
efeito, seguindo o costume estabelecido já desde a antiguidade entre os povos
cristãos da Europa, o papa Leão X (1513-1521) promulgou em 1515 uma bula com o
objetivo particular de angariar fundos para a construção da Basílica de São Pedro
em Roma. Do ponto de vista dogmático,
esta prática não oferece
nenhuma dificuldade.
Para realizar a pregação das indulgências na Alemanha foi designado pela Santa
Sé como comissário o arcebispo de Mogúncia, Alberto de Brandenburgo, que
elaborou uma instrução para a pregação das indulgências chamada Instructio
summaria. Dentre seus delegados para
a pregação das indulgências na Alemanha temos o dominicano João Tetzel. Este começou a
pregar as redondezas de Wittenberg em abril de 1517 obtendo grande sucesso.
Apesar da correta doutrina elaborada na instrução do arcebispo, a pregação foi
enfeitada de alguns exageros ao ponto de dizer que “a alma era libertada do
purgatório tão logo a moeda caísse na caixa de esmolas”. Tetzel
preocupava-se mais com os negócios do que com o arrependimento e a conversão.
Quando a Instructio summaria
chegou as mãos de Lutero e soube dos exageros de Tetzel
por meio dos seus penitentes, reagiu duramente escrevendo a Alberto de
Brandenburgo, ao seu ordinário Jerônimo Schulz, a outros bispos e conhecidos.
Junto da carta a Alberto ele anexou as chamadas “95 teses”.
Roma enviou o cardeal Caetano para cuidar do assunto.
Lutero e Caetano discutem “paternalmente”, mas não se chega a nenhum resultado.
No fundo, não deu certo porque havia uma incompatibilidade de linguagem entre
os dois: Caetano tinha uma linguagem teológica baseada na Escolástica, enquanto
que Lutero baseava-se na via moderna, a nova linguagem que tinha sido influenciado
pelo ockhamismo nominalista. Realmente nunca poderia se chegar a um ponto de
concordância. Outra tentativa de resolução da situação foi em Leipzig entre
João Eck, vice-chanceler da universidade de Ingolstadt e Lutero. Eck rebate as
teses de Lutero com algumas observações chamadas de Obeliscos, as quais Lutero
refuta com os Asteriscos.
Também entra na briga André Bodenstein de
Karkstadt entra na defesa de Lutero, mas a desenvoltura de Eck foi superior aos
dois. Os pontos da discussão foram sobre a questão das indulgências, mas os
pontos fundamentais eram sobre o livre-arbítrio e primado papal. Após os
debates com Caetano e o de Leipzig, Lutero utiliza cada vez mais o Alemão em
seus escritos, pois quer atingir a população mais simples, os leigos, e nesse
tempo escreve muitas de suas obras colocando nelas os seus princípios: Sola
Scriptura, Sola Gratia e Sola fide.
Esses três
são os pontos essenciais da doutrina de
Lutero:
Sola
Scriptura: com
esse princípio faz-se uma crítica a Escolástica, exclui a liberdade de
interpretação da escritura, pois esta interpreta a si mesma, e, sobretudo
exclui a mediação da Igreja com o seu magistério.
Sola
Fide: Para se chegar a fé somente
Cristo nos justifica. O homem sendo justo, realizando obras justas, não pode
alcançar a salvação. Pois não admite que o homem possa alcançar a Deus por meio das
obras boas. Pois a salvação e a justificação são gratuitas, um dom divino.
Sola
Gratia: Com
tal princípio rejeita a mediação humana nas coisas referente a Deus, pois este é um
nada diante de Deus. Também não admite a hierarquia da Igreja. Lutero define a Igreja
como uma comunidade espiritual de fiéis que unidas sob uma só fé (sola fide), não aceita a missa como sacrifício e reduz o sacerdócio
ministerial ao sacerdócio comum dos fiéis.
Diante desse impasse o imperador como autoridade civil é
chamado a intervir. Os núncios
apostólicos Alexandre e Caracciolo pedem que
Lutero seja exilado, mas o imperador tinha feito um juramento a Lutero, em 3 de
junho de 1519, que não podia banir por causa da eminente eleição e para não se
indispor com Roma fez um acordo: fazer com que Lutero fosse na dieta e
retratar-se. A dieta de Worms aconteceu nos dias 16 a 25 de abril de 1521;
Lutero comparece por meio de um salvo-conduto dado pelo imperador. No dia 17 de
abril Lutero comparece para a primeira audiência reconhecendo os seus escritos
e pedindo tempo para retratação, mas na verdade não queria retratar-se, foram-lhe
concedidos 3 dias para refletir. Como não quis retratar-se o imperador decidiu
agir contra Lutero e no dia 26 de maio assinou o edito de banimento.
Quando isso aconteceu Lutero já estava em segurança no
castelo de Coburg em Wartburg, onde ficou durante 9 meses, até março de
1522. Neste período ele desenvolve uma
vasta atividade literária, faz a tradução do Novo testamento num alemão popular e escreve obras
polêmicas justificando e desenvolvendo as suas próprias reformas.
Imbuídos pelo espírito
revolucionário também os camponeses
iniciam em 1525 uma guerra com motivações religiosas e ao mesmo tempo sociais
contra os nobres da época. Lutero procurou acalmar num primeiro momento, com
seu escrito Advertência pela paz, mas não vendo muito resultado toma uma
posição mais decidida contra as atitudes dos camponeses e escreve Contra as
bordas ladras e assassinas de camponeses, onde pede que se faça justiça e que
os camponeses sejam trucidados como animais ou reduzidos ao estado de escravidão.
CONCLUSÃO
A Reforma implantada por Martinho Lutero não deve ser
vista apenas de um ponto de vista, e muito menos está somente ligada aos
grandes acontecimentos da sua época, mas também a sua história pessoal e, em
particular, à sua angústia diante da onipotência divina e a miséria do homem.
Como vimos muitas coisas inquietaram a alma de Lutero e
lhe tiravam a paz interior que tanto buscava. Tais inquietações favoreceram
para que houvesse todo o processo de reforma por parte de Lutero, mas não
podemos reduzir tudo somente aos fatores acima elencados.
No entanto, o conjunto de fatores religioso – político – social e psicológico (pessoal de Lutero) unidos perante
o mesmo acontecimento favoreceu para que houvesse todo o movimento reformador
explodisse.
Portanto, não podemos ter uma visão minimalista dos
fatos, mas a partir do estudo e aprofundamento dos fatos históricos e do
contexto em que a Europa estava passando, aí sim podemos chegar a uma conclusão
ou a várias.
Concluímos
que Lutero não teve toda a culpa por
acontecer todo o movimento reformador, mas muitos influentes de sua época
aproveitaram o ensejo para colocar em prática tanto as ideais de Lutero como as
suas próprias. Por isso, precisamos ter um olhar crítico diante de tudo o que
aconteceu e ver também pelo lado positivo em que, talvez se não fosse o
movimento reformador, a Igreja iria continuar com o comodismo e com os abusos
que vinha sendo praticado nela. Na História nada acontece por acaso ou por mera
convenção, mas sempre tem o “agir providente” dAquele que tudo criou e a tudo sustém.
BIBLIOGRAFIA
ZAGHENI, Guido. A Idade Moderna.
História da Igreja III. São Paulo: Paulus, 1999.
DANIEL-ROPS. A Igreja da Renascença e
da Reforma. São Paulo:
Quadrante, 1996.
LACOSTE, Jean Yves. Dicionário
Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas e Loyola, 2004.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja. De Lutero a nossos
dias I. O período da Reforma. São Paulo: Loyola, 1997.
MELO, Leonel Itaussu A. e COSTA, Luis César Amad. História Moderna. 5ed.
São Paulo: Scipione,1999.
PEDRO, Antônio. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Moderna, 1985.
Atividade elaborada sob solicitação do Prof.
Dr. Pe. Claudio Dionizio Rocha Santos, para a disciplina Teologia Protestante e
Oriental, sendo esta parte de uma das avaliações do curso.
Aracaju – SE, maio/2014
AÉCIO CRUZ