A Reforma, até hoje, não é só um evento histórico, uma coisa de tempos
passados. As suas consequências inluem diretamente, também no presente, nas questões
mais importantes de nossa vida politica, eclesiástica, econômica e privada. a
Reforma do século XVI é ainda um presente vivo. o fato que um modo de pensar
superficial e incapaz de aprofundamento histórico negue isto algumas vezes, não muda minimamente uma tão grave
realidade[1]. Por tais razões existe uma divisão
entre os historiadores e entre os próprios estudiosos da questão. As principais
teses são as seguintes: a tradicional e a marxista. fora delas, como afirmam
estudiosos como Martina e Lortz, existem outras, que poderão ser esboçadas a
partir das ideias expostas mais adiante.
A tese tradicional
Esta foi a tese mais difundida –
tanto entre estudiosos católicos quanto entre protestantes – pois focava nos
abusos e nas desordens da Igreja Católica de então – de modo excepcional, a cúria
romana, a causa da reforma luterana. Esta é a tese clássica. Mas desde o início
do século passado esta concepção foi alvo de fortes críticas; principalmente
porque em outros períodos houve graves abusos, sem que isso levasse a um
revolta contra Roma. de fato, o próprio papa Adruiano VI à época já afirmara
que a cúria era responsável pela corrupção da Igreja, não da revolta
protestante. a Unitatis Redintegratio,
de fato, afirma: não pequenas comunidades
se separaram da plena comunhão da Igreja católica, às vezes não sem culpa de
pessoas de ambas as partes[2].
Assim, pode-se dizer que hoje em dia católicos e protestantes estão de
acordo em rejeitar essa tese, seja porque se procure, com maior ou menor
fundamento, corrigir e atenuar o quadro tradicional da corrupção moral da
cristandade do século XVI, seja porque, com maior rigor cientifico, se
pesquise, através das próprias palavras dos protagonistas da reforma, quais os
fins a que eles se propunham e que motivos os inspiravam[3].
De fato, a posição de Martina encontra
sustentação em várias declarações de Lutero. Eis uma delas: a vida é má tanto entre nós como entre os
papistas, mas nós não os condenamos por sua vida prática. A questão é bem
outra: se eles seguem a verdade. Outro argumento pode ser extraído do seu opúsculo,
de 1520, À nobreza cristã da nação alemã,
onde o reformador sublinha, entre os abusos a serem abolidos, a distinção entre
sacerdócio e laicato, o magistério supremo do pontífice e o seu direito de
convocar concílios. Escreveu: não refuto
a moralidade e os abusos, mas a substancia e a doutrina do papado[4].
Segundo Martina, muitos textos
luteranos confirmar que não existia, nele, a intenção de separar-se da Igreja,
mas, sim, desejava que esta passasse por uma transformação, uma recusa de
pontos essenciais da doutrina católica, como o primado, a justificação entendida
no sentido tradicional, o sacrifício da missa etc[5].
Assim sendo, não se tratava de uma reforma moral ou administrativa, como parece
propor a tese acima.
Em suma: não é um evento simples, unitário
e transparente. É, antes,
uma realidade extraordinariamente complexa, seja em si, seja em seus
articuladissimos alicerces, antigos de muitos séculos e sobre os quais essa se
edifica. Alias, estes alicerces representam o elemento capital [...]. A Reforma é tanto um fato social quanto obra de particulares,
excepcionais personalidades. como fenômeno social é um movimento seja cultural,
seja decididamente político e econômico; por outro lado, porem, obedece, em
muitos aspectos, às leis de comunidades eclesiásticas sejam elas de dimensões
limitadas que mais amplas[6].
A tese marxista
Sobre estas tese, nascida da visão exposta
anteriormente e que comporta uma visão revolucionaria, evolutiva mais do que linear
e continuativa da historia e, dentro dela, da historia enquanto misterium salutis[7].
Para os fautores desta tese, que
defendem-na com muitas e diversas nuances, Lutero não é um autentico teólogo;
pouco menos um homem dotado de profundos sentimentos religiosos, mas, um
agitador. Nesta ótica, a Reforma protestante não é senão o disfarce religioso
da crise econômico-social, comum na Europa da metade do século XVI. Com padre
Martina, pode-se argumentar que, é difícil
explicar adequadamente um fenômeno espiritual e religioso de repercussão
universal, como o luteranismo, levando-se em conta somente fatores econômicos,que,
quando muito, podem ser considerados uma ocasião, um elemento que facilitou a rápida
expansão de um movimento que se originou de outras causas bem diferentes[8].
É um fato que aderiu à Reforma protestante
membros de diferentes estrados sociais – camponeses, artesãos, burgueses,
nobres e príncipes – isto é, homens de interesses diametralmente opostos. Se
alguns fatores econômicos contribuíram para o proliferação da revolta, não podem
ser subestimados os fatores de ordem mística e espiritualistas de seus chefes.
Assim, passando pelas causas genéticas do fenômeno, nascido séculos antes, poder-se-á
entender o encadeamento de causas e, daí, perfilar uma tese sobre as causas da
Reforma que seja condizente com a realidade dos fatos, permitindo entender esse
fenômeno dentro de um processo lento nas decisivo para sua eclosão.
1) Causas religiosas
A) A luta e a derrota do Papa
Bonifacio VIII
B) O exílio de Avignon
C) O cisma do Ocidente
D) O Renascimento
E) A decadência da Escolástica
2) Causas políticas, sociais e econômicas
A) A resistência contra Roma
B) A resistência contra a centralização
e o absolutismo dos Habsburgos
C) A situação econômico-social
D) A personalidade de Lutero
[1] J. Lortz, Storia della
Chiesa in prospettiva di storia delle idee, II, Cisinello Balsano, Paoline,
98.
[2] UR, 3.
[4] As declaraçoes de Lutero
podem ser lidas em WA, Tischreden, I, p. 294; III, p. 408; V, p. 654.
[5] G. Martina, História da Igreja:
de Lutero a nossos dias, 53-54.
[6] J. Lortz, Storia della
Chiesa in prospettiva di storia delle idee, II, 98-99.
[7] O debate sobre tais interpretações
nasce a partir do interpretação dada por Alberigo ao Concílio Vaticano II. daí,
proliferou-se por toda a hermenêutica da historiografia eclesiástica. proliferou
e passou a ser difundido quase que como única hermenêutica possível. O debate
sobre a correta interpretação tornou a ser aberto pelos julgamentos sobre o pós
concilio expressos pelo Papa Bento XVI durante seu encontro com os sacerdotes
de Cadore (24/07/2007). Durante seu diálogo com os sacerdotes da região de
Cadore, o Papa rechaçou a interpretação dinâmica do Concílio – e logo, da própria
historia eclesiástica, como o faz a Escola
bolonhês – com estas palavras: Uma
parte (da Igreja) identificava esta nova revolução cultural marxista com a
vontade do Concílio. Dizia: este é o Concílio; na letra e textos são ainda um
pouco antiquados, mas detrás das palavras escritas está este ‘espírito’, esta é
a vontade do Concílio, assim devemos proceder. E por outra parte, naturalmente,
a reação: assim estão destruindo a Igreja. A reação –digamos– absoluta contra o
Concílio, a anticonciliaridade, e –digamos– a tímida, humilde busca de como
realizar o verdadeiro espírito do concílio. É como diz um provérbio: ‘se cair
uma árvore faz muito ruído, se crescer uma selva não se escuta nada’, durante
estes grandes rumores do progressismo equivocado e do anticonciliarismo
absoluto, crescia muito silenciosamente, com tanto sofrimento e também com
tantas perdas na construção de uma nova passagem cultural, o caminho da Igreja.
De fato, se tais eventos trazem algo de novo, tudo isso marca profundamente a
história do catolicismo contemporâneo. Seria insanidade intelectual não ver
nesses eventos um esforço de abafar as vozes daqueles que nos tempos passados,
não veem senão prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa época, em
comparação com as passadas, tem piorado; e comportam-se como quem nada aprendeu
da História, que é também mestra da vida. Por outro lado, agora pensando
metodologicamente esses eventos, não podemos nos desviar do fato de que eles
fazem parte da história secular da Igreja católica e do cristianismo e devem
ser inseridos na dinâmica antimodernidade-modernidade que marcou – e marca – as
lutas em torno dos significados do ser cristão nos séculos passados. Assim,
devemos abordá-los não como uns eventos isolados e descolados da história da
Igreja, mas sim inseridos na complexidade que a marcou profundamente nesse
ínterim, ou seja, uma Igreja que não consegue decidir se mostra sua face de mãe
misericordiosa ou de sombria madrasta. Dessa forma, para uma maior compreensão
destes eventos e das linhas hermenêuticas que se seguem após seus términos,
precisamos inseri-los nessa mesma convergência, já que os grupos que se
digladiam em seu interior e na sua posterior interpretação são herdeiros
diretos do fluxo histórico (Cf. http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2007/july/documents/hf_ben-xvi_spe_20070724_clero-cadore_po.html).
[8] G. Martina, História da Igreja:
de Lutero a nossos dias, 55.
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