Entrevista a Mons. Juan Usma Gómez, Chefe de Departamento do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos
Perito conhecedor do movimento pentecostal, há poucos meses
Mons. Juan Usma Gómez é o novo Chefe de Departamento do Pontifício
Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Colombiano, da
Arquidiocese de Medellín, ele trabalha há quinze anos no organismo
ecuménico. Nesta entrevista concedida ao nosso jornal na vigília da
Semana de oração pela unidade dos cristãos, ele fala da «mudança» em
acto nos últimos tempos nas relações entre católicos e pentecostais, que
– realça – «talvez não encontrem eco suficiente nos mass media».
De zero a seiscentos milhões de fiéis em apenas um século. O pentecostalismo constitui um desafio enorme para a Igreja católica.
E como são as relações com a Igreja católica? Uma atenção de Bento XVI confirmada também pela sua recente nomeação a Chefe de Departamento do Organismo para a unidade dos cristãos? Quem são os pentecostais? Citemos exemplos concretos a fim de os conhecer melhor? Com algumas excepções... Quais são os desafios que nos esperam? Mas a situação não apresenta só pontos negativos. De resto, numa sociedade cada vez mais secularizada, a união faz a força. Como entrar em diálogo? Quais são os principais aspectos do modelo que eles propõem? Quais são os obstáculos na relação com os católicos?
Os pentecostais vêem a sua experiência como a única produzida directamente por Deus. Por conseguinte, não estão dispostos a reconhecer aos outros a mesma importância. De acordo com eles, a plenitude é alcançada com o Baptismo no Espírito Santo. Portanto, a diferenciação entre cristãos e pentecostais depende do facto de possuir ou não o Espírito de modo pleno, isto é, como é descrito, com as mesmas manifestações e modalidades do Pentecostes, no segundo capítulo dos Actos dos Apóstolos. O pentecostal é um novo sujeito religioso que está a plasmar uma nova cultura religiosa, embora um pentecostal típico normalmente não fale disso de maneira explícita mas prefira exaltar o sucesso da sua obra missionária que se traduz em «novos modelos de comportamento» ditados pelos cânones bíblicos que, por sua vez, influenciam a ordem social.
Há outro fenómeno relativo ao impacto que o pentecostalismo produz na realidade com a qual está em contacto, que pode ser considerado problemático. Conhecemos comunidades evangélicas e protestantes que, embora conservando o próprio nome, mantêm muito pouco da tradição eclesial originária após ter adoptado a forma pentecostal; e outras que se dividiram em duas ou mais facções opostas, uma fiel à tradição de origem, e a outra que prefere o estilo pentecostal, que «dilui» com frequência a tradição precedente. Contudo não se pode esquecer a outra face da medalha, ou seja, uma influência por parte das diversas tradições das Igrejas históricas sobre o pentecostalismo.
O que nos podem ensinar os pentecostais? E sob o ponto de vista escatológico? Isto tem algo a ver com a missão da evangelização? Como prossegue o caminho da reaproximação? E com os não-denominacionais? Portanto, podemos ser optimistas para o futuro?
As críticas dirigidas aos católicos não são uma exclusividade dos pentecostais. Outros evangélicos têm uma percepção semelhante em relação a nós. Eis porque por um lado é necessário intervir sobre as razões que estão na base da mudança de filiação entre os católicos e, por outro, estar prontos para partilhar com os demais cristãos as nossas convicções e experiências de fé, tradição, espiritualidade e diversidade devocional. Só assim podemos falar verdadeiramente de conhecimento recíproco, diálogo, colaboração e oração comum.
Acolhendo uma sua solicitação e depois de um processo de preparação de vários anos, o dicastério para a unidade dos cristãos manteve conversações preliminares com um grupo de líderes em Abril de 2008.O diálogo internacional católico-pentecostal, que começou em 1972 e alcançou a sua quinta fase, até agora concentrou os debates ao redor do tornar-se cristão e fê-lo servindo-se dos testemunhos bíblicos e patrísticos. O relatório On becoming a Christian; insights from Scripture and the Patristic writings. With some contemporary reflections, que ilustra as relações sobre a quinta fase do diálogo entre algumas Igrejas pentecostais clássicas e líderes da Igreja católica desde 1998 até 2006, é uma novidade absoluta porque pela primeira vez católicos e pentecostais estudaram juntos os Padres da Igreja, citando-os amplamente no documento.O pentecostal deve ser membro activo da sua congregação. Enquanto uma parte dos católicos vive tal pertença de modo anónimo. Esta pode ser uma provocação salutar, porque nos estimula a perguntar-nos: pode existir uma Igreja católica onde a Boa Nova não é proclamada todos os dias? É possível esconder Jesus e impedir que se ouça a sua voz? Trata-se de um problema metodológico ou temos dois Evangelhos diversos, dois Cristos diferentes?O pentecostal vive na iminência da segunda vinda do Senhor, Juiz justo, e por esta razão procura conduzir todos a Cristo, pois todos serão julgados culpados da incredulidade dos próprios vizinhos no momento do juízo. Inclusive os católicos professam crer na segunda vinda, mas às vezes perdem o sentido da iminência e a consciência da própria responsabilidade pela falta de fé de quantos os circundam: acreditam que a missão é responsabilidade de poucos.Entre os aspectos positivos das mudanças ocorridas no mundo cristão desde o surgimento do pentecostalismo estão o papel central do Espírito Santo, o facto de que a conversão pessoal a Jesus é solicitada de modo explícito e continuado durante toda a vida, a ênfase colocada na oração e no seu poder, a redescoberta dos carismas e dons espirituais como realidade concreta na existência de cada fiel. Eles podem ajudar-nos a reforçar a nossa identidade.A fé pessoal, a conversão individual explícita, a experiência viva, o zelo apostólico, o fortíssimo sentido de pertença à congregação. Mais do que um sistema doutrinal, os pentecostais oferecem uma experiência espiritual. A tudo isto deve-se também acrescentar uma grande adaptabilidade que lhes permite adoptar diversas formas de acordo com a cultura na qual se movem.Encontramo-nos numa encruzilhada. As causas são diversas. Na consciência e na percepção de muitos católicos o mandato missionário parece entrar em colisão com o da unidade. Parece quase que os missionários excluem a vocação ecuménica e que quantos se dedicam a promover a unidade renunciam a anunciar o Evangelho e o apresentam sem considerar a própria tradição. Isto diz respeito também aos nossos interlocutores, pois muitos deixaram a Igreja católica e a maior parte deles nutre reservas e desconfiança em relação a ela. Não são menos complexos os sentimentos de alguns católicos que, conscientes da riqueza da sua fé, rejeitam por princípio um confronto sincero, considerando-o inútil. Na base de tais atitudes há complexos de superioridade ou de inferioridade, que dificilmente se conciliam com o clima de diálogo do Concílio Vaticano ii. Por outro lado, as motivações para uma abertura são por sua vez discutíveis, pois ao lado de um enfraquecimento progressivo das fronteiras confessionais, nos últimos anos nas sociedades está a ter um consenso cada vez maior a opinião de que a religião se deve limitar à esfera do particular e do bem-estar individual. Consequentemente, a tendência é pensar que a questão religiosa em geral e a divisão dos cristãos em especial se possa resolver por dissolução, revestindo-a de «igualitarismo»: «todas as religiões são iguais», «cada um crê naquilo que quer», «cada um pode tomar de cada tradição o que lhe convier ou do que necessitar».Nem tudo foi fruto de constrições ou consequência de efeitos externos. Houve gestos concientes de alto nível, que visaram melhorar a situação. É preciso reflectir também sobre o que a relação com os pentecostais está a mudar na nossa identidade católica. Tarefa urgente para os que se dedicam à pastoral e para todos os baptizados é redescobrir os nossos tesouros.Lentamente estamos a assistir a uma aproximação recíproca a vários níveis. A convivência diária fez com que se estabelecessem relações de proximidade e fraternidade que atenuam as diferenças confessionais: a partilha da própria espiritualidade pentecostal fez com que se realizassem com frequência cada vez maior actos de oração conjunta entre pentecostais e carismáticos católicos; situações sociais e catástrofes naturais impuseram a colaboração; estudos secundários e universitários em centros católicos fizeram diminuir as atitudes negativas; e a participação cada vez mais maciça de teólogos em simpósios ecuménicos internacionais estimularam iniciativas semelhantes também a níveis nacional e regional.À presença cada vez mais consistente desses grupos não corresponde um conhecimento adequado por parte dos católicos. Por algum tempo, o problema foi subestimado, dizendo-se que se tratava de minorias não significativas. Em seguida, passou-se a um confronto aberto, às vezes áspero, feito de falta de respeito, acusações de proselitismo, perseguições. Portanto, há um caminho longo a percorrer, pois ainda hoje parecem prevalecer animosidade e competição, especialmente no campo missionário. Não superámos as acusações recíprocas. Os sentimentos anticatólicos e anti-evangélicos estão na ordem do dia e os pressupostos para as relações fraternas demonstram-se frágeis sob o ponto de vista da mútua percepção, que continua a ser influenciada pelos preconceitos e ignorância. Basta pensar que ainda hoje os pentecostais são indiscriminadamente considerados uma seita.Certamente. Nalgumas regiões do Zimbábue, por exemplo, os missionários pentecostais chegaram a aldeias longínquas antes dos outros, antes de nós católicos.Entre os clássicos contam-se as assembleias de Deus e a Igreja quadrangular. Esses últimos estão presentes em todas as Igrejas cristãs. Entre os não-denominacionais, ou neopentecostais, casas de oração e congregações nascem todos os dias em todas as partes. Na Europa o fenómeno é mais evidente nos países escandinavos, na Inglaterra e na Alemanha. Sob o ponto de vista numérico os grupos mais consistentes estão na América Latina, mas daquele proporcional, isto é com base na incidência percentual sobre o total, as estatísticas indicam sobretudo a Ásia. Essas realidades florescem nas sociedades cristãs e apresentam-se como o «momento depois», isto é sucessivo à primeira evangelização, que geralmente é realizada pelas Igrejas tradicionais.Com este termo referimo-nos a todas as realidades que afirmam ter tido a mesma experiência espiritual da pequena comunidade afro-americana de Azusa Street em Los Angeles em 1906: uma «efusão do Espírito Santo» análoga à descrita nos Actos dos Apóstolos. Eventos semelhantes verificaram-se em seguida também no Kansas, em Gales, na Suécia e no Chile. No início, tratou-se de um movimento de renovação do protestantismo que, procurando uma volta às comunidades das origens, deu vida a verdadeiras denominações no sentido protestante do termo: os chamados pentecostais clássicos (1912). Com o passar dos anos, a experiência pentecostal fez irrupção nas diversas tradições cristãs, sem conduzir a divisões; fala-se portanto de pentecostais denominacionais ou carismáticos, desde 1950. Em tempos recentes, surgiram grupos que não têm vínculos com os pentecostais clássicos, nem pertencem a uma tradição eclesial específica; são descritos como pentecostais não denominacionais, desde 1980. Entre estas diversas «correntes» existe uma situação de influência recíproca e, às vezes, de interacção.O espírito de abertura e ao mesmo tempo de firmeza do Pontífice foi muito explícito já durante a visita ao Brasil. Em Aparecida o Papa recordou que para realizar a vocação ecuménica no meio do crescente pluralismo religioso e num ambiente nem sempre favorável, para os católicos «vale sempre o princípio do amor fraterno e da busca da compreensão e da proximidade recíprocas; mas também a defesa da fé do nosso povo».Após os dissídios dos anos passados agora estamos numa nova fase, sobretudo no Continente latino-americano, onde o desafio é percebido de modo maior. Com efeito, em Maio de 2007 em Aparecida pela primeira vez, entre os observadores da quinta Conferência geral do episcopado latino-americano, estava presente um cristão pentecostal: o teólogo chileno Juan Sepúlveda, da Iglesia Misión Pentecostal. Um escolha favorecida também pelo empenho ecuménico de Bento XVI, que durante a missa para o início do ministério petrino indicou a unidade dos cristãos como prioridade do seu Pontificado, ao recorrer à imagem evangélica da «rede» do pescador que infelizmente «agora se rompeu». Os próprios evangélicos latino-americanos confirmam-no, sendo que 75% deles são pentecostais. Em Aparecida, na sua intervenção comum, Sepúlveda, a presbiteriana cubana Ofelia Ortega, o baptista colombiano Harold Segura, o metodista argentino Néstor Míguez e o luterano brasileiro Walter Altmann afirmaram que se sentem interpelados pela exortação do Papa Ratzinger para que se fundamente na leitura e no conhecimento da Palavra de Deus o novo despertar missionário, do qual têm necessidade a América Latina e o Caribe.Antes de tudo, esclareçamos que deste número fazem parte também os cem milhões da Renovação no Espírito Santo e das comunidades carismáticas, que pertencem a pleno título à Igreja católica. De qualquer maneira, permanece o facto de que se trata não só de um crescimento numérico mas também de uma difusão, uma presença em quase todas as Igrejas e comunidades eclesiais. É uma realidade transversal e a segunda entidade cristã no mundo.
De zero a seiscentos milhões de fiéis em apenas um século. O pentecostalismo constitui um desafio enorme para a Igreja católica.
E como são as relações com a Igreja católica? Uma atenção de Bento XVI confirmada também pela sua recente nomeação a Chefe de Departamento do Organismo para a unidade dos cristãos? Quem são os pentecostais? Citemos exemplos concretos a fim de os conhecer melhor? Com algumas excepções... Quais são os desafios que nos esperam? Mas a situação não apresenta só pontos negativos. De resto, numa sociedade cada vez mais secularizada, a união faz a força. Como entrar em diálogo? Quais são os principais aspectos do modelo que eles propõem? Quais são os obstáculos na relação com os católicos?
Os pentecostais vêem a sua experiência como a única produzida directamente por Deus. Por conseguinte, não estão dispostos a reconhecer aos outros a mesma importância. De acordo com eles, a plenitude é alcançada com o Baptismo no Espírito Santo. Portanto, a diferenciação entre cristãos e pentecostais depende do facto de possuir ou não o Espírito de modo pleno, isto é, como é descrito, com as mesmas manifestações e modalidades do Pentecostes, no segundo capítulo dos Actos dos Apóstolos. O pentecostal é um novo sujeito religioso que está a plasmar uma nova cultura religiosa, embora um pentecostal típico normalmente não fale disso de maneira explícita mas prefira exaltar o sucesso da sua obra missionária que se traduz em «novos modelos de comportamento» ditados pelos cânones bíblicos que, por sua vez, influenciam a ordem social.
Há outro fenómeno relativo ao impacto que o pentecostalismo produz na realidade com a qual está em contacto, que pode ser considerado problemático. Conhecemos comunidades evangélicas e protestantes que, embora conservando o próprio nome, mantêm muito pouco da tradição eclesial originária após ter adoptado a forma pentecostal; e outras que se dividiram em duas ou mais facções opostas, uma fiel à tradição de origem, e a outra que prefere o estilo pentecostal, que «dilui» com frequência a tradição precedente. Contudo não se pode esquecer a outra face da medalha, ou seja, uma influência por parte das diversas tradições das Igrejas históricas sobre o pentecostalismo.
O que nos podem ensinar os pentecostais? E sob o ponto de vista escatológico? Isto tem algo a ver com a missão da evangelização? Como prossegue o caminho da reaproximação? E com os não-denominacionais? Portanto, podemos ser optimistas para o futuro?
As críticas dirigidas aos católicos não são uma exclusividade dos pentecostais. Outros evangélicos têm uma percepção semelhante em relação a nós. Eis porque por um lado é necessário intervir sobre as razões que estão na base da mudança de filiação entre os católicos e, por outro, estar prontos para partilhar com os demais cristãos as nossas convicções e experiências de fé, tradição, espiritualidade e diversidade devocional. Só assim podemos falar verdadeiramente de conhecimento recíproco, diálogo, colaboração e oração comum.
Acolhendo uma sua solicitação e depois de um processo de preparação de vários anos, o dicastério para a unidade dos cristãos manteve conversações preliminares com um grupo de líderes em Abril de 2008.O diálogo internacional católico-pentecostal, que começou em 1972 e alcançou a sua quinta fase, até agora concentrou os debates ao redor do tornar-se cristão e fê-lo servindo-se dos testemunhos bíblicos e patrísticos. O relatório On becoming a Christian; insights from Scripture and the Patristic writings. With some contemporary reflections, que ilustra as relações sobre a quinta fase do diálogo entre algumas Igrejas pentecostais clássicas e líderes da Igreja católica desde 1998 até 2006, é uma novidade absoluta porque pela primeira vez católicos e pentecostais estudaram juntos os Padres da Igreja, citando-os amplamente no documento.O pentecostal deve ser membro activo da sua congregação. Enquanto uma parte dos católicos vive tal pertença de modo anónimo. Esta pode ser uma provocação salutar, porque nos estimula a perguntar-nos: pode existir uma Igreja católica onde a Boa Nova não é proclamada todos os dias? É possível esconder Jesus e impedir que se ouça a sua voz? Trata-se de um problema metodológico ou temos dois Evangelhos diversos, dois Cristos diferentes?O pentecostal vive na iminência da segunda vinda do Senhor, Juiz justo, e por esta razão procura conduzir todos a Cristo, pois todos serão julgados culpados da incredulidade dos próprios vizinhos no momento do juízo. Inclusive os católicos professam crer na segunda vinda, mas às vezes perdem o sentido da iminência e a consciência da própria responsabilidade pela falta de fé de quantos os circundam: acreditam que a missão é responsabilidade de poucos.Entre os aspectos positivos das mudanças ocorridas no mundo cristão desde o surgimento do pentecostalismo estão o papel central do Espírito Santo, o facto de que a conversão pessoal a Jesus é solicitada de modo explícito e continuado durante toda a vida, a ênfase colocada na oração e no seu poder, a redescoberta dos carismas e dons espirituais como realidade concreta na existência de cada fiel. Eles podem ajudar-nos a reforçar a nossa identidade.A fé pessoal, a conversão individual explícita, a experiência viva, o zelo apostólico, o fortíssimo sentido de pertença à congregação. Mais do que um sistema doutrinal, os pentecostais oferecem uma experiência espiritual. A tudo isto deve-se também acrescentar uma grande adaptabilidade que lhes permite adoptar diversas formas de acordo com a cultura na qual se movem.Encontramo-nos numa encruzilhada. As causas são diversas. Na consciência e na percepção de muitos católicos o mandato missionário parece entrar em colisão com o da unidade. Parece quase que os missionários excluem a vocação ecuménica e que quantos se dedicam a promover a unidade renunciam a anunciar o Evangelho e o apresentam sem considerar a própria tradição. Isto diz respeito também aos nossos interlocutores, pois muitos deixaram a Igreja católica e a maior parte deles nutre reservas e desconfiança em relação a ela. Não são menos complexos os sentimentos de alguns católicos que, conscientes da riqueza da sua fé, rejeitam por princípio um confronto sincero, considerando-o inútil. Na base de tais atitudes há complexos de superioridade ou de inferioridade, que dificilmente se conciliam com o clima de diálogo do Concílio Vaticano ii. Por outro lado, as motivações para uma abertura são por sua vez discutíveis, pois ao lado de um enfraquecimento progressivo das fronteiras confessionais, nos últimos anos nas sociedades está a ter um consenso cada vez maior a opinião de que a religião se deve limitar à esfera do particular e do bem-estar individual. Consequentemente, a tendência é pensar que a questão religiosa em geral e a divisão dos cristãos em especial se possa resolver por dissolução, revestindo-a de «igualitarismo»: «todas as religiões são iguais», «cada um crê naquilo que quer», «cada um pode tomar de cada tradição o que lhe convier ou do que necessitar».Nem tudo foi fruto de constrições ou consequência de efeitos externos. Houve gestos concientes de alto nível, que visaram melhorar a situação. É preciso reflectir também sobre o que a relação com os pentecostais está a mudar na nossa identidade católica. Tarefa urgente para os que se dedicam à pastoral e para todos os baptizados é redescobrir os nossos tesouros.Lentamente estamos a assistir a uma aproximação recíproca a vários níveis. A convivência diária fez com que se estabelecessem relações de proximidade e fraternidade que atenuam as diferenças confessionais: a partilha da própria espiritualidade pentecostal fez com que se realizassem com frequência cada vez maior actos de oração conjunta entre pentecostais e carismáticos católicos; situações sociais e catástrofes naturais impuseram a colaboração; estudos secundários e universitários em centros católicos fizeram diminuir as atitudes negativas; e a participação cada vez mais maciça de teólogos em simpósios ecuménicos internacionais estimularam iniciativas semelhantes também a níveis nacional e regional.À presença cada vez mais consistente desses grupos não corresponde um conhecimento adequado por parte dos católicos. Por algum tempo, o problema foi subestimado, dizendo-se que se tratava de minorias não significativas. Em seguida, passou-se a um confronto aberto, às vezes áspero, feito de falta de respeito, acusações de proselitismo, perseguições. Portanto, há um caminho longo a percorrer, pois ainda hoje parecem prevalecer animosidade e competição, especialmente no campo missionário. Não superámos as acusações recíprocas. Os sentimentos anticatólicos e anti-evangélicos estão na ordem do dia e os pressupostos para as relações fraternas demonstram-se frágeis sob o ponto de vista da mútua percepção, que continua a ser influenciada pelos preconceitos e ignorância. Basta pensar que ainda hoje os pentecostais são indiscriminadamente considerados uma seita.Certamente. Nalgumas regiões do Zimbábue, por exemplo, os missionários pentecostais chegaram a aldeias longínquas antes dos outros, antes de nós católicos.Entre os clássicos contam-se as assembleias de Deus e a Igreja quadrangular. Esses últimos estão presentes em todas as Igrejas cristãs. Entre os não-denominacionais, ou neopentecostais, casas de oração e congregações nascem todos os dias em todas as partes. Na Europa o fenómeno é mais evidente nos países escandinavos, na Inglaterra e na Alemanha. Sob o ponto de vista numérico os grupos mais consistentes estão na América Latina, mas daquele proporcional, isto é com base na incidência percentual sobre o total, as estatísticas indicam sobretudo a Ásia. Essas realidades florescem nas sociedades cristãs e apresentam-se como o «momento depois», isto é sucessivo à primeira evangelização, que geralmente é realizada pelas Igrejas tradicionais.Com este termo referimo-nos a todas as realidades que afirmam ter tido a mesma experiência espiritual da pequena comunidade afro-americana de Azusa Street em Los Angeles em 1906: uma «efusão do Espírito Santo» análoga à descrita nos Actos dos Apóstolos. Eventos semelhantes verificaram-se em seguida também no Kansas, em Gales, na Suécia e no Chile. No início, tratou-se de um movimento de renovação do protestantismo que, procurando uma volta às comunidades das origens, deu vida a verdadeiras denominações no sentido protestante do termo: os chamados pentecostais clássicos (1912). Com o passar dos anos, a experiência pentecostal fez irrupção nas diversas tradições cristãs, sem conduzir a divisões; fala-se portanto de pentecostais denominacionais ou carismáticos, desde 1950. Em tempos recentes, surgiram grupos que não têm vínculos com os pentecostais clássicos, nem pertencem a uma tradição eclesial específica; são descritos como pentecostais não denominacionais, desde 1980. Entre estas diversas «correntes» existe uma situação de influência recíproca e, às vezes, de interacção.O espírito de abertura e ao mesmo tempo de firmeza do Pontífice foi muito explícito já durante a visita ao Brasil. Em Aparecida o Papa recordou que para realizar a vocação ecuménica no meio do crescente pluralismo religioso e num ambiente nem sempre favorável, para os católicos «vale sempre o princípio do amor fraterno e da busca da compreensão e da proximidade recíprocas; mas também a defesa da fé do nosso povo».Após os dissídios dos anos passados agora estamos numa nova fase, sobretudo no Continente latino-americano, onde o desafio é percebido de modo maior. Com efeito, em Maio de 2007 em Aparecida pela primeira vez, entre os observadores da quinta Conferência geral do episcopado latino-americano, estava presente um cristão pentecostal: o teólogo chileno Juan Sepúlveda, da Iglesia Misión Pentecostal. Um escolha favorecida também pelo empenho ecuménico de Bento XVI, que durante a missa para o início do ministério petrino indicou a unidade dos cristãos como prioridade do seu Pontificado, ao recorrer à imagem evangélica da «rede» do pescador que infelizmente «agora se rompeu». Os próprios evangélicos latino-americanos confirmam-no, sendo que 75% deles são pentecostais. Em Aparecida, na sua intervenção comum, Sepúlveda, a presbiteriana cubana Ofelia Ortega, o baptista colombiano Harold Segura, o metodista argentino Néstor Míguez e o luterano brasileiro Walter Altmann afirmaram que se sentem interpelados pela exortação do Papa Ratzinger para que se fundamente na leitura e no conhecimento da Palavra de Deus o novo despertar missionário, do qual têm necessidade a América Latina e o Caribe.Antes de tudo, esclareçamos que deste número fazem parte também os cem milhões da Renovação no Espírito Santo e das comunidades carismáticas, que pertencem a pleno título à Igreja católica. De qualquer maneira, permanece o facto de que se trata não só de um crescimento numérico mas também de uma difusão, uma presença em quase todas as Igrejas e comunidades eclesiais. É uma realidade transversal e a segunda entidade cristã no mundo.
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