Visto por muitos estudiosos como um dos mais ilustres teólogos
protestantes do século passado, se não o maior deles, Paul Johannes Oskar
Tillich, assim é o seu nome completo, é o grande responsável pela criação de um
método de argumentação teológica denominado de “Teologia da Correlação”. O
método da correlação de Tillich, pode-se dizer, não é um método que apenas
apresenta perguntas filosóficas e respostas teológicas, mas é um método que
oferece uma conclusão a partir de elementos ditos opostos ou mesmo
contraditórios. Dessa forma, o trabalho proposto versará, de forma mais
insistente, sobre essa linha de pensamento, sem deixar, no entanto, de expor
muitos outros elementos importantes da vida do teólogo.
O objetivo desse trabalho, como já fora dito, não é apenas de expor
suas ideias e pensamentos teológicos, mas também procurará contemplar outros
aspectos que se referem ao teólogo da correlação. Assim sendo, em um primeiro
momento, far-se-á, de forma resumida, um relato sobre a sua vida, sua origem,
seus pais e outros aspectos que se relacionem com sua biografia. No segundo
momento, a sua produção literária é o que aparece com maior destaque. Aqui,
procurar-se-á fazer uma exposição, não muito detalhada, de suas principais
obras, tanto das que foram escritas quando ainda vivia na Alemanha, como também
e, principalmente, das que foram produzidas nos Estados Unidos, onde fez
residência. Na terceira parte, será abordado, como já se falou acima, o seu
pensamento, isto é, as linhas gerais do seu método teológico da correlação.
Encaminhando-se para o fim, em forma de conclusão, apresentar-se-á
as principais impressões deixadas pelo teólogo, no referente à sua teologia e
ao seu método sistemático de pensamento.
Paul Johannes Tillich (1886-1965)
nasceu em Starzeddel, um pequeno povoado da Alemanha, filho de pais
protestantes. Seu pai era pastor da Igreja Luterana. Realizou seus primeiros
estudos em Schoenfliess-Neumark. Com doze anos, ingressou no Gymnasiurn da
vizinha cidade de Königsberg. Em 1900, transferiu-se para Berlim junto com sua
família. Em Berlim, concluiu seus estudos fundamental e médio e iniciou os
universitários, que tiveram prosseguimento em Tubingen para a láurea em
filosofia e em Halle para a láurea em teologia. Em filosofia, estudou os
grandes filósofos alemães, sobretudo, Schelling. Em teologia esteve na escola
de Martin Kähler (1835-1912), um dos maiores mestres da época.
Concluídos os seus estudos
universitário em 1912, dedicou-se à cura de almas até a eclosão da Primeira
Guerra. Então, alistou-se como capelão militar. Após a Guerra, juntamente com
alguns amigos, fundou um movimento político chamado “socialismo religioso”, que
era baseado no princípio de que sem um fundamento religioso nenhuma sociedade
pode salvar-se da destruição. Mas as massas operárias não estavam em condições
de compreender um programa tão nobre como o do partido de Tillich e o movimento
fracassou.
Os anos do pós-guerra são muito
importantes na vida de Tillich porque foi aí que aconteceu a maturação de suas
ideias e todo o embasamento de sua construção teológica. As noções do princípio
da correlação, do princípio protestante, da sola fides da fé como
empenho supremo e do kairós, encontraram a sua primeira formulação durante
aquele período.
Ao mesmo tempo, o jovem teólogo
sentia-se atraído pela teologia dialética de Karl Barth. Com efeito, o Barth da
teologia dialética procurava construir uma relação orgânica entre a criatura e
Deus. E esse era também o ponto central da concepção tillichiana das relações
entre teologia e cultura, entre fé e razão, entre homem e Deus. Porém, quando
mais tarde Barth passou para a neo-ortodoxia, os dois se separaram, tornando-se
adversários declarados.
Tillich, então, começa a sua carreira
profissional e de 1919 a 1924, foi livre docente em Berlim; em 1924/25 foi
professor em Marburg; de 1925 a 1929, em Dresden e Leipzig; de 1929 a 1933, em
Frankfurt. E em 1933, precisamente, Tillich transfere-se para os EUA.
Nos Estados Unidos, Tillich encontrou
o lugar perfeito para desenvolver o seu pensamento. Depois de um início
difícil, o seu pensamento começou a encontrar admiradores e seguidores. Depois
da Segunda Guerra, eles cresceram tanto a ponto de fazer de Tillich o teólogo
mais admirado e influente dos Estados Unidos. Por isso, em 1955, a Universidade
de Harvard ofereceu-lhe um lugar entre seus estudiosos. Tillich aceitou e,
depois de mais de vinte anos de ensino no “Union Seminary”, assumiu a cátedra
teológica mais ambicionada dos Estados Unidos. Nela, durante os últimos anos de
sua vida, pode pregar a sua mensagem teológica à fina flor dos universitários
norte-americanos e do mundo. Depois de ter deixado Harvard por limites de
idade, ainda ensinou pela última vez em Chicago. Em 1962, recebeu o Prêmio da
Paz. Morreu no ano de 1965 em Chicago, deixando sua mulher, Hannah, uma filha,
Erduthe Farris, e um filho, Rene Stephen.
A produção literária de Tillich é
considerável: mais de quatrocentos escritos. Do ponto de vista cronológico,
divide-se em dois grupos: alemão e norte-americano. As obras mais importantes
do período alemão são: Die religiöse Lage der Gegenwart (A atual situação religiosa ― 1925) e Das Dämonische. Ein Beitrag
zur Sinndeutung der Geschichte (Demoníaco.
Uma contribuição para a
interpretação do sentido da história ― 1926). São dois
escritos curtos, mas altamente significativos. O primeiro é uma análise
penetrante da crise espiritual que golpeou a sociedade no primeiro pós-guerra.
O segundo é um ensaio sobre a filosofia da história, em que trata
principalmente do problema do mal. A produção do período norte-americano é
muito fecunda. Abarca dois gêneros de escritos: alguns são dirigidos aos
especialistas, outros ao grande público.
Ao
grande público destinou, entre outras, as seguintes obras: The Protestant Era
(1948); The Shaking of the Foundations (1948); Lave, Power and Justice (1954);
The New Being (1955); Biblical Religion and the Search for Ultimate Reality
(1955); Morality and Beyond (1963); Christianity and the Encounter of World
Religions (1963); The Eternal Now (1966); My Search for Absolutes (1967).
Nesses escritos, Tillich procurou,
com uma linguagem simples e imediata, tornar sua mensagem religiosa
compreensível mesmo para o público profano. Dentre essas obras, The Shaking of
the Foundations (A agitação das Bases)
e The New Being (O Novo Ser)[1] foram
as que tiveram maior sucesso e exerceram a maior influência.
A tese de The Shaking of the Foundations
é que os símbolos, os conceitos e a linguagem com que a mensagem cristã é
expressa hoje estão decididamente superados: o homem moderno não os compreende
mais. Nem mesmo os símbolos mais importantes, como Deus, pecado, paraíso e
inferno, dizem-lhes ainda alguma coisa e, ao invés de ajudá-lo a crer,
tornaram-se, para ele, uma ulterior razão de incredulidade. Chegou, portanto, o
momento de abandoná-los e substituí-los por símbolos novos, em conformidade com
o novo modo de pensar.
A tese de The New Being é que, se
Cristo é apresentado como Novo Ser, a mensagem cristã voltará a atrair também o
homem moderno. “O Cristianismo é a mensagem da Nova Criação, o Novo Ser, a Nova
Realidade, que se manifestou com a vinda de Jesus, que por essa razão e só por
essa razão é chamado o Cristo. Com efeito, o Cristo, o Messias, o eleito e
ungido, é aquele que traz o novo estado de coisas”.
Também para especialistas em
assuntos teológicos, foram elaborados os dois livros publicados postumamente:
Perspectives on 19th and 20th Century Protestant Theology (1967) e A History of
Christian Thought (1968). Estes livros contêm as lições de história da teologia
que Tillich ministrou durante vários anos no Union Theological Seminary e na
Harvard University.
PENSAMENTO
Paul Tillich é um pensador
sistemático. Procurou nos dizer, ordenadamente, e por completo, tudo aquilo que
queria nos dizer. Por isso, não e difícil identificar os temas dominantes em
seu pensamento. Estes podem ser reduzidos a dois: um metodológico; o outro, de
conteúdo. O primeiro é constituído pelo princípio da correlação, o segundo
pelos problemas do homem e as respostas de Deus. O segundo tema, obviamente,
tem um vasto alcance e abarca quase toda a teologia tradicional, bem como
grande parte da filosofia. No entanto, é possível reduzi-lo a três pontos
principais, na medida em que três são os maiores problemas que angustiam o
homem: o ser das coisas, a própria existência e a história. Deus forneceu sua
resposta clarificadora e salvífica a tais problemas, apresentando-se como
fundamento do ser, salvador do homem e guia da história. Mas a resposta divina
só resolve os problemas do homem se este a faz sua, ou seja, somente se tem fé.
Contudo, para que ele possa fazê-la sua, é preciso que ela lhe seja apresentada
de maneira inteligível. Daí a instância de transmitizar a mensagem revelada
para torná-la eloquente para o homem do século XX.
1 O Princípio de Correlação
O eixo em torno do qual gira toda a
teologia de Paul Tillich é o princípio da correlação. Este afirma a necessidade
de pensar qualquer realidade juntamente com outra realidade, na medida em que
elas se encontram em relação de dependência recíproca. Essa relação de
dependência recíproca que Tillich chama de correlação, exatamente porque implica
uma subordinação recíproca, distingue-se de todas as relações que os outros
filósofos colocaram na base de suas interpretações do real, tanto da
contradição como da analogia, tanto da harmonia como do paralelismo, tanto da
participação como da complexidade, e assim por diante. Segundo o princípio da
correlação, porém, os elementos relacionados só podem existir juntos, razão
pela qual é impossível que um aniquile a existência do outro.
Por exemplo: o eu não pode existir
sem o mundo, nem o mundo sem o eu; a filosofia não pode existir sem a teologia,
nem a teologia sem a filosofia; a fé não pode existir sem a dúvida, nem a
dúvida sem a fé; a pergunta não pode existir sem a resposta, nem a resposta sem
a pergunta; a participação não se efetua sem a individuação, nem o individual
sem a participação, etc. É impossível um oposto solitário, tanto no ser como no
pensamento. Isso significa que os opostos não são distintos até o fim, mas que
há um ponto de encontro. E do ponto de encontro nasce a unidade das coisas, cujo
ser é tecido de correlações. O princípio da correlação não foi inventado por
Tillich. Já podia ser encontrado em Platão, Aristóteles e são Tomás. Neste
século, ele encontrou seguidores tanto no campo protestante como no católico.
No primeiro, basta recordar os teólogos dialéticos: Brunner e Barth. No
segundo, recordo Przywara, Guardini e Teilhard de Chardin.
No sistema de Tillich, o princípio
da correlação exerce o papel exercido pelas ideias no sistema de Platão, pelo
Ato e a Potencia no sistema de Aristóteles, pelo Ser-Perfeição-Absoluto no
sistema de são Tomás, pela Substância no sistema de Spinoza, pelos Juízos
Sintéticos a priori no sistema de Kant.
Segundo Tillich, a realidade não é
outra coisa senão um admirável e complicadíssimo entrelaçamento de correlações.
Estas a atravessam em todas as direções e a penetram em todas as suas
dimensões. Entretanto, há uma correlação que tem prioridade absoluta sobre
todas as outras: é a correlação que intersecciona a realidade verticalmente, de
baixo para cima (e vice-versa), do homem para Deus (e vice-versa). É com base
nessa correlação que edifica todo o seu sistema teológico, o qual, como já
vimos, se articula em cinco partes, justamente porque cinco são as ramificações
fundamentais da correlação vertical: razão-Revelação, ser-Deus, vida-Espírito,
homem-Cristo, história-Reino de Deus.
2 A
correlação epistemológica
A correlação epistemológica é
estudada em três momentos: primeiro como relação entre razão e Revelação,
depois como relação entre razão e fé e, por fim, como relação entre filosofia e
teologia. Segundo Tillich, a razão é uma força que permeia toda a realidade.
Como força das coisas, chama-a “razão objetiva”, como força do homem chama-a
“razão subjetiva”. A razão subjetiva é a estrutura racional da mente; a razão
objetiva é a estrutura racional da realidade, que a mente está em condições de
apreender e em virtude da qual ela pode dar forma à própria realidade.
Tillich distingue dois momentos no
interior da razão subjetiva, um técnico e um “participativo”. O momento técnico
é aquele em que a razão chega à verdade pelo caminho da análise e da
experimentação. O momento “participativo” é aquele em que chega à verdade pelo
caminho da intuição e da emoção. O processo cognoscitivo por controle reduz
todo objeto à coisa, dele fazendo um elemento de evidência empírica; mas
exatamente por isso não está em condições de colher toda a verdade na
profundidade do Ser. Já o conhecimento “participativo” chega até o Ser, mas
exatamente porque priva do caráter experimental não oferece garantias de
veracidade e deixa sempre aberta a possibilidade da dúvida.
Para tirar a razão humana das areias
movediças da dúvida que ameaçam engolir todo o seu mundo cognoscitivo, Deus vem
ao encontro do homem com a luz da Revelação. Esta, segundo o nosso autor,
representa o momento em que o sujeito humano é aferrado pelo poder do Ser e
imerso no milagre de sua automanifestação. Então, as coisas, fatos e
acontecimentos tornam-se símbolos da realidade divina: uma iluminação que
alcança a realidade e o homem. Aquilo que se manifesta ao homem na Revelação
não é estranho à razão, não pertence a outro mundo, um mundo sobrenatural, mas
sim a um mundo que é o seu próprio mundo em sua profundidade mais substancial.
Com efeito, a Revelação outra coisa não é que a Profundidade da Razão. A razão,
portanto, é naturalmente aberta à Revelação, aliás, é correlata a ela, porque
só a Revelação está em condições de dar uma resposta plenamente satisfatória às
suas questões.
Mas o encontro entre razão e
Revelação não é automático, ocorre apenas quando estão presentes certas
condições espirituais, aquelas condições que constituem a fé. Para Tillich, a
fé não é só um ato do intelecto ou da vontade através do qual aceita-se
verdades comunicadas de cima, mas sim é um estado que alcança todo o homem: “A
fé é o estado de quem se empenha extremamente”. Assim, a fé é uma disposição
comum a todos os homens; mas não a fé cristã. Esta só pertence a quem escolheu
Jesus Cristo como motivo do seu empenho supremo. A fé é essencialmente dom de
Deus. Porém, contrariamente ao biblismo fideísta barthiano, que exclui da fé
qualquer condicionamento humano e dela faz uma obra exclusiva de Deus, Tillich
afirma que ela não é possível sem a participação do homem. A inserção humana é
evidente, antes de mais nada, no fato de que o sujeito da fé é e só pode ser um
homem. Com efeito, para que o ato de fé se cumpra, é preciso haver um sujeito
capaz de preocupações supremas. Tal sujeito não é a pedra, nem a planta, nem o
animal. Só o homem tem a capacidade de transcender o fluxo das experiências
relativas e transitórias da vida cotidiana.
Para que o homem tenha fé são
necessárias também predisposições psicológicas, porque a fé não é algo que Deus
impinge a qualquer custo, mesmo a quem não a quer ou não está preparado. A
predisposição psicológica fundamental é que o homem tenha experimentado a
inutilidade do seu ser, a incapacidade de dar um significado à própria vida, a
alienação de sua essência; é preciso que ele tenha consciência do estado de pecado
em que se encontra. Somente se possuímos uma justa visão da situação humana da
velha realidade do homem é que podemos compreender que em Cristo surgiu uma
nova realidade.
A fé é a resposta de Deus à questão
existencial. Enquanto essa questão não é colocada, Deus não responde. O que não
significa que a resposta de Deus é causada pela pergunta humana. A pergunta é
condição, não causa da resposta. A resposta é absolutamente gratuita, porém só
é dada a quem a procurou e está em condições de apreciá-la. A resposta divina,
com o já se viu, constitui a Revelação. Dois são, portanto, os elementos
constitutivos da teologia: a mensagem revelada e a reflexão filosófica. Tillich
os extrai do próprio termo teologia, que resulta da união dos termos gregos
“theos” e “logos”. O primeiro indica aquilo de que se ocupa o teólogo em sua
reflexão, vale dizer, Deus na medida em que se revelou. O segundo exprime o
esforço realizado pelo teólogo com a razão, a fim de penetrar nos mistérios da
Revelação divina. Os dois elementos são inseparáveis: não pode haver teologia
sem mensagem revelada, mas tampouco sem reflexão teológica. Contudo, ao
construir um sistema, pode-se dar mais relevo a um ou outro. Se prevalece o
elemento querigmático, temos uma teologia de tipo barthiano. Já se predomina o
elemento filosófico, temos uma teologia que Tillich ora chama “apologética”,
ora “teologia especulativa”, ora “filosofia cristã da religião”, ora “teologia
filosófica”. E Tillich propôs-se a construir não uma teologia querigmática,
antes uma teologia filosófica.
Os problemas supremos que atormentam
os filósofos (e todos os homens, na medida em que todos são mais ou menos
explicitamente filósofos) são três: o ser, a existência e a história. Na
teologia de Paul Tillich esses problemas encontram as seguintes respostas: Deus
como Fundamento do ser, Cristo como Novo Ser, a Igreja como Reino de Deus.
3 A correlação Ser-Deus
A questão mais grave que vem
afligindo os filósofos de cada época é a questão do ser. Mas o que se entende
por “ser”? Tillich sabe que os filósofos não estão de acordo nesse ponto. Por
isso, faz questão de explicar o seu conceito de ser. Nada tem a ver com o
conceito estático de tipo “parmenídio” ou aristotélico. O seu é um ser em que
está presente um movimento dialético, que opera desde o seu interior, como
“unidade de potências criadoras e destrutivas”, provenientes do mais profundo
do ser, como uma sua qualidade, um seu princípio negativo: O ser consta de si
mesmo e do não-ser.
Com o conceito “fundamento do ser”,
Tillich não quer significar um ser supremo, uma causa primeira que esteja fora
do mundo, mas sim o princípio vital subjacente a toda realidade.
Dessa forma, Deus não é estranho,
não está fora do ser, mas forma o seu mais íntimo e profundo fundamento.
Tillich refuta categoricamente a concepção sobrenaturalista, que coloca Deus
fora do mundo. Em consequência, critica todas as tentativas do passado no
sentido de provar a existência de Deus, pois procederiam dessa concepção. No
entanto, ao mesmo tempo, rejeita também a concepção naturalista, que confunde
Deus com as coisas, Deus com a natureza, Deus com o ser. Deus não é a coisa, a
natureza, o ser; antes está nas coisas, na natureza, no ser, como o seu último
fundamento. Entre as coisas, a natureza e o ser, por um lado, e Deus, por
outro, não há relação de identidade, mas sim de correlação.
A oposição ao naturalismo e ao
sobrenaturalismo — além da negação dos caminhos tradicionais da existência de
Deus — tem também uma outra importantíssima consequência para a teologia de
Paul Tillich: a negação que pode ser atribuída a Deus própria e literalmente
pelos conceitos que nós utilizamos para as criaturas. Assim, por exemplo, nega
que se possa atribuir a Deus o conceito de pessoa. Se quisermos proteger Deus
do antropomorfismo, é preciso chamá-lo própria e literalmente com nomes que só
possam ser aplicados a Deus, como, por exemplo, fundamento do ser, poder do
ser, poder da razão, infinito, etc. Os nomes que se aplicam às criaturas não
são própria e literalmente aplicáveis a Deus, mas apenas simbolicamente. Como
se vê, Tillich exclui o método da analogia, que, ao contrário, afirma que
alguns nomes são aplicáveis própria e literalmente tanto a Deus como às
criaturas.
4 A correlação Homem-Cristo
Fiel ao cânon do princípio da
correlação, Tillich, depois de construir a “teologia” como resposta ao problema
do ser, elabora a “cristologia” como resposta ao problema do homem.
Segundo Tillich, o homem é uma
dualidade, mas não uma dualidade de alma e corpo, que não é a mais importante e
fundamental para compreender a condição humana. A dualidade mais profunda de
que fala Tillich é a dualidade entre essência e existência. Não entende essa
dualidade à maneira de são Tomás (dois princípios consubstanciais), nem à
maneira de Heidegger (a essência fruto da existência), mas de um modo novo: a
existência é o decaimento da essência. Para Tillich, esse decaimento consiste
no Pecado Original, a Queda de que fala a Sagrada Escritura.
Antes da Queda, o homem se
encontrava no estado de “inocência sonhadora, aquele que segundo a tradição
cristã é o estado de natureza pura”. O homem caiu desse estado não tanto por um
ato de vontade ou por um capricho, mas muito mais pela finitude do seu ser.
Aliás, parece que para Tillich, a Queda consiste essencialmente no desligamento
das coisas do fundamento do Ser e na constituição de sua finitude; por essa
razão, “a passagem da essência à existência” é uma passagem à qual nenhum ente
finito, pode se furtar.
A consequência primeira da alienação
ontológica ocorrida na Queda é a alienação “teológica”, ou seja, a ruptura do
circuito vital que deveria unir o homem a Deus. O homem cede à tentação de
elevar-se a centro de si mesmo e do seu mundo, transpondo o seu ser finito e
precipitando-se na situação da hybris (soberba), da libido e da incredulidade.
Nessa situação, desenvolvem-se no espírito do homem a angústia e o desespero.
Só com suas próprias forças, o homem não pode sair desse estado e por isso não
pode retornar ao estado inicial: não pode sair da existência e recuperar a sua
natureza essencial. Essa possibilidade só lhe é oferecida por Cristo. Segundo
Tillich, Jesus é aquele homem em que as forças desagregadoras da existência, a
soberba, a angústia, a libido e o desespero, foram vencidas. E foi precisamente
por essa vitória que ele se tornou o Cristo. Segundo o nosso teólogo, mais que
de um Deus que se faz homem, deve-se falar de um homem que se torna Deus, ou
melhor, de um homem no qual Deus se torna visível, se manifesta. Tal
manifestação de Deus em Cristo tem um poder salvífico universal: Cristo salva,
regenera, justifica e santifica todos os homens. Isso, que constitui o núcleo
essencial do kerygma cristão, perdeu grande parte de sua credibilidade porque
não era expresso de maneira inteligível pelo homem moderno. Este tem uma
mentalidade fortemente anti-sobrenaturalista, que se recusa a crer em seres
divinos que descem do Céu para a terra. Para tornar Cristo novamente atual e
inteligível, Tillich propõe que não mais se fale dele como “Filho de Deus”,
“Verbo Encarnado”, “Homem-Deus”, mas sim como Novo Ser.
5 A Correlação
História-Reino de Deus
A última parte da Systematic
Theology é dedicada àquela problemática que os teólogos chamam habitualmente de
“eclesiologia”, a qual Tillich prefere chamar ora “Comunidade Espiritual”, ora
“Reino de Deus”. O Reino de Deus se concretiza não na Igreja, que é uma
realidade sociológica e, portanto, está sujeita a todas as leis que determinam
a vida dos grupos sociais, com as suas ambiguidades, mas sim na Comunidade
Espiritual. Tillich dá a seguinte definição dessa comunidade: é a comunidade do
Novo Ser. Foi criada pelo Espírito divino tal como se manifesta no Novo Ser em
Jesus, enquanto Cristo.
A Comunidade Espiritual e, portanto,
ao Reino de Deus não pertencem somente os cristãos, mas os homens de qualquer
época, lugar, nação, raça e língua, desde que “sejam aferrados pela Presença
Espiritual e sejam claramente determinados por ela, ainda que fragmentariamente”.
CONCLUSÃO
O estudo do teólogo da teologia da correlação, Paul Tillich,
proporcionou um aprendizado de valor incomensurável, pois serviu como um
valioso auxílio para que tenhamos uma visão mais alargada a respeito da
teologia protestante hodierna. No entanto, o brevíssimo estudo ora apresentado,
que, diga-se de passagem, não teve a intenção de exaurir toda a teologia de
Tillich, como ficou evidenciado nas páginas precedentes, uma vez que a sua obra
revela-se imensamente maior.
Entrementes, após tê-lo estudado, foi possível conhecer um pouco
sobre a sua vida e suas obras, além de tirar algumas conclusões sobre o seu
pensamento. Com esse estudo foi possível concluir que, em seu sistema de
abordagem correlativa, predomina um modo de pensamento no qual suas conclusões
seguem um caminho dialético e correlativo, isto é, elas visam mostrar a
interdependência lógica de conceitos filosóficos que geralmente são vistos como
polos opostos e excludentes.
A teologia de Tillich, no entanto, tem sido alvo de muitas críticas,
pois compromete radicalmente a transcendência de Deus, a divindade de Cristo, a
gratuidade da graça, a sobrenaturalidade da fé e o princípio escatológico da
história. Nesse sentido, chega-se até a afirmar que sua teologia é herética,
não bíblica, desconforme aos ensinamentos dos concílios e incompatível com a
teologia dos Padres e Doutores medievais.
MONDIN, Battista. Os grandes
teólogos do século XX. Tradução: José Fernandes. São Paulo: Editora
Teológica, 2003.
[1] A tradução do título de algumas obras acima são apenas
aproximações, pois para a tradução foi utilizado apenas um recurso da internet
(Google Tradutor).
Atividade elaborada sob solicitação do Prof.
Dr. Pe. Claudio Dionizio Rocha Santos, para a disciplina Teologia Protestante e
Oriental, sendo esta parte de uma das avaliações do curso.
Aracaju – SE, maio/2014
Fabio Freitas dos Santos
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