domenica 23 aprile 2017

Psicanalise e sociologia: dicotomia ou interdisciplinaridade


Adenilson Santos Nascimento Júnior*[1]

     Uma verdade bem certa é que as disciplinas enquadradas em campos próximos de investigação tendem a relacionar-se mutuamente. Os conceitos que definem e caracterizam a Psicanálise como técnica que colabora na descrição e na explicação dos fenômenos sociais, bem como no comportamento humano, entram em uníssono com aquilo que é o objeto de estudo da Sociologia, que são justamente as transformações sociais, a vida em sociedade, o comportamento e suas consequências na sociedade, analisando as relações ou interações do homem no grupo onde está inserido e suas implicações em si e neste mesmo meio. Com tal afirmação, o conceito que define a Sociologia como estudo científico da sociedade cai por terra, visto que existem outras ciências sociais que estudam também a sociedade como, por exemplo, um próprio ramo da Psicologia.
     Neste caso, seria inadmissível não observar os avanços da Psicanálise, principalmente com os contributos de Freud, que deu um caráter mais científico às conclusões psicanalíticas, as quais eram fortemente cobradas pelos sociólogos. Com ele, a Psicanálise torna-se técnica que de maneira empírica estuda os modos, os procedimentos, sejam eles uniformes ou não, do comportamento do homem num grupo social. É como se fosse a grande sacada do estudo psicossocial notar que as moléstias mentais têm muito a ver com a organização social e a posição do indivíduo na sociedade, o que contribui para o desenvolvimento e a mútua colaboração entre estas duas ciências do comportamento. Isso demonstra que na medida em que o indivíduo passa a ser investido ou rejeitado, fortes sequelas mentais vão sendo originadas, quer sejam boas, quer não sejam. Assim, uma depressão ou um distúrbio repentino não poderiam ser explicados segundo conceitos biológicos ou médicos. Deveriam entrar aí as interferências sociais, ou seja, as causas no grupo onde ele está inserido, que contribuíram para o indivíduo haver passado para tal moléstia mental.
Freud, além disso, refinou o seu arcabouço de métodos de investigação e de interpretação das moléstias mentais. Para início de conversa, a primeira característica que deve ser considerada é a multiplicidade de técnicas de investigação da qual a Psicanálise é revestida, sendo as principais delas a entrevista e o estudo de caso, porque ajudam mais a conhecer e a reconstruir o contexto da situação do paciente. Do mesmo modo, a Sociologia não possui um só método para entender as divergências sociais, mas é dotada de uma multiplicidade de propostas que a ajudam a analisar de maneira mais precisa os problemas da sociedade, seja ele mais voltado ao histórico-comparativo, ou a um campo mais limitado, de acordo com valores quantitativos e qualitativos. Porém, uma perspectiva que deve ser assinalada é que, para acontecer tal relação, foi necessário muito avanço e muito esforço. Primeiramente, os sociólogos teoricamente focados numa explicação conceitual das questões sociais não estavam interessados em ouvir os conceitos provindos dos resultados obtidos pelos psicanalíticos através de seus inovadores métodos de investigação. Mas fica bem claro que só haveria vantagens na cooperação entre as duas disciplinas: de um lado, a Psicologia cresceria com a propagação de seus conceitos num outro ramo cognoscitivo; de outro, a Sociologia ganharia com uma extensão dos limites de explicação sobre as causas sociais. No fim das contas, as duas saem ganhando.
     Ademais, a pedra de toque que justamente relaciona as ciências sociais é o comportamento humano. De fato, todas elas acabam, de um modo ou de outro, segundo perspectivas diferentes ou semelhantes, em querer entender e explicar o comportamento do indivíduo, ou mais ainda as suas causas. Não obstante as críticas anteriores à Psicanálise que os sociólogos propunham principalmente pela ausência de suas explicações sobre os fatores das moléstias sociais, atualmente a situação é de uma afinidade entre essas duas disciplinas, visto que, em um sentido mais profundo, a Sociologia bebe de muitos teoremas psicanalíticos que contribuem fortemente para a explicação das coisas e dos acontecimentos na vida em sociedade. Conquanto se trate de uma teoria que tem em vista o homem que se relaciona, o assunto tratado é o mesmo nas duas disciplinas: o comportamento. A personalidade, e suas diferenças, o seu sistema organizado estrutural e funcionalmente, a libido que colabora na definição da personalidade e na orientação do comportamento humano, são teorias psicanalíticas que servem demasiadamente aos conceitos sociológicos.
Entretanto, é bom frisar que em certos casos tais disciplinas não podem caminhar juntas. O ponto de partida da Sociologia não se radica na pessoa individual, do mesmo modo que a Psicanálise não se esforça densamente em estudar as relações entre os indivíduos. Muito embora as duas ciências trabalhem em cima da temática do comportamento humano, uma se esforça mais em estudar o homem individualmente, outra em estudá-lo de acordo com suas relações. A contribuição entre uma e outra disciplina está no fato de que a Psicologia ajuda a Sociologia enquanto técnica de observar as moléstias sociais e dar uma comparação com as resultantes do indivíduo no meio social, ao passo que a Sociologia contribui no estudo psicológico enquanto ciência que estuda as interações sociais, sendo elas frutos de uma psiquê bem constituída (ou não, se forem os casos das moléstias).
     Para evitar especulações, é bom frisar que a ação, o comportamento do indivíduo na sociedade é ao mesmo tempo psíquico e social. Isso porque ele usa de mecanismos que o põem numa realidade total, global, que compromete a personalidade individual e influi sobre ela. O psicólogo vai concentrar sua atenção na personalidade global e o meio que influenciará sobre a estrutura e a dinâmica desta mesma personalidade. O sociólogo, por sua vez, vai estudar o meio social ou o conjunto global das relações entre pessoas. Em ambas, serão estudados os comportamentos em suas áreas de campo, cujo comportamento ganhará caráter objetivo ou subjetivo a depender da situação na qual o indivíduo se encontra. Assim, o modo pessoal da ação do indivíduo na sociedade não é autônomo, soberano sobre si mesmo, que se basta a si próprio. Ele precisa também do modo de atuar em comparação com aquela parte do indivíduo que permanece fora e se contrapõe. A teoria psicanalítica ganha importância relevante na medida em que pode cooperar na explicação dos fenômenos sociais e das consequências do comportamento humano no meio social onde ele está inserido.
Aliás, o comportamento não é algo composto de várias ramificações que podem ser separadas e estudadas uma por uma em cada uma das disciplinas sociais. Seria um conceito muito pobre. Na realidade, as teorias sobre o comportamento humano ganham mais relevância quando são carregadas de vários conceitos da mesma temática, sobre o mesmo assunto visto de vários pontos de vista, como seria o caso da ciência psicanalítica e da sociológica ao discutirem sobre o mesmo tema. Outra consideração que deve ser frisada é que uma ciência não é mais científica por possuir um conceito mais teórico, ou mais empírico que a outra. Como já foi dito, tratam-se de duas ciências que possuem seus campos próprios de pesquisa e de investigação, que podem muito bem relacionarem-se mutuamente, trocando conceitos, ideias e conclusões favoráveis às duas disciplinas. Não se trata de disputa entre matérias do comportamento para saber qual delas é a melhor ou mais convincente. São, na verdade, duas matérias que querem crescer cada vez mais, e que, se for preciso entrar em sintonia, elas conseguem tal objetivo hoje em dia de maneira facilitada.
      Enfim, são grandes os avanços obtidos por essas duas disciplinas das ciências sociais que tendem a crescer muito mais ao passo que conseguem cada vez mais relacionarem-se. No entanto, a associação dessas duas disciplinas não é a solução para as indagações de suas investigações. A Psicanálise e a Sociologia ainda têm muito que trabalhar nas suas próprias áreas sobre temas que são especificamente seus. Essa associação traz, sem dúvidas, uma diminuição nas pesquisas e uma maior quantidade de respostas às perguntas concernentes às duas ciências. Mas, em síntese, não trazem todas as respostas para todos os problemas das questões sociais e psicológicas. Em outras palavras, haverá questões que somente a Sociologia poderá explicar, mesmo que precise recorrer a um ou outro conceito psicanalítico, e vice-versa. Isso não faz de modo algum empobrecer as teorias de uma ou de outra disciplina. Pelo contrário, só fortalece e enriquece mais as suas teses e conceitos. A interdisciplinaridade dessas duas ciências cai muito bem no que se refere a ideias de interesse mútuo, onde as duas podem muito bem esforçarem-se para alcançar respostas que sejam úteis tanto às questões psicológicas como às questões sociais. O que não se pode afirmar é que cada matéria se basta em si mesma. Na verdade, se bem pensado, cada ciência é útil às outras ciências. O que basta é esta consciência de colaboração mútua, tão necessária às ciências se a meta for o seu progresso.



[1] Todos os nomes, seguidos de (*), são os de alunos, da disciplina de Introdução à Sociologia, do curso de graduação em filosofia, de 2016, do Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição, de Aracaju/SE.

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